John Cowper Powys (1872/1963)
Para John Cowper Powys (JCP), só há dois modos de vida que valem a pena: o da santidade e a síntese do sub-humano e do super-humano, que é uma espécie de sensualismo místico. O santo deve sacrificar todo o prazer egoísta, toda a sensualidade, para aliviar o sofrimento dos outros. Para o ictiossáurio, a felicidade é o único fim da vida individual. Mas enquanto o amor da santidade é triste e forçado, chamando a si toda a responsabilidade do mal – o que não faz Deus, segundo JCP, o amor de si e a felicidade possuem a graça e a verdadeira generosidade. Em Deus, como causa primeira, tem origem todo o bem e todo o mal. Devemos pensar só no primeiro e esquecer completamente o segundo. E o mal está em nós também. É violência e crueldade. Por isso, embora a palavra repugne ao autor da “Apologia dos sentidos”, é necessária a virtude e o domínio das paixões para atingir a perfeição interior. É uma vontade soberana que afasta o prolongamento do mecanismo social no espírito humano. Que supera a tendência para a brutalidade e os prazeres superficiais e frenéticos. Temos em nós, qualquer pessoa tem em si o poder de se subtrair à cadeia dos acontecimentos exteriores e ao torvelinho do quotidiano. Os instantes de contemplação da vida anterior vegetal e animal e de premonição da vida divina são o verdadeiro objectivo da existência.
Todos os seres têm a sua perfeição. E como todos eles aproveitam a réstia de sol e o momento da saúde! Para JCP apenas os insectos lembram a multidão dos homens tristes e as suas paixões gregárias. Se não tivéssemos a linguagem e o pensamento seríamos menos perfeitos? De modo nenhum. A árvore na sua impassibilidade é força e espírito. De resto, a verdadeira sabedoria ensina-nos que é preciso perder a vida para a salvar. O sábio despoja-se dos frutos da inteligência e dos vãos poderes da razão humana para ascender à perfeição dos simples e viver na luz divina.
Por que havia então o homem de dedicar a sua vida ao altruísmo? Na verdade, o altruísmo é um erro humano, um erro da vaidade, e não vale mais do que o egoísmo. Mas o ictiossáurio, de costas na lama, presta homenagem ao santo. Porque é nobre e forte como raros homens podem ser. A sua virtude é difícil. Não sabe como chegar ao coração dos homens, se não gozar no seu próprio coração a indizível felicidade do bem.
JCP vai ao exagero de dizer que quem escolhe o bem dos outros não pode ter paz, porque no mesmo instante em que enche os pulmões para ganhar força, milhares de actos de violência simultâneos têm lugar, uma infinidade de dor e de miséria. Quem pode, de facto, escolher apenas o bem dos que cruzam o seu caminho? Se descansasse entre duas obras de caridade, se aceitasse a bênção do sol à beira do caminho, se comesse com gosto o alimento mais pobre, deveria sentir-se em falta para com o seu ideal. Mas não é essa a lição da Natureza. Os poetas não vivem assim, nem os verdadeiros santos. A tradição elevou à santidade homens que se retiraram do mundo para, despojados de todas as riquezas e de todos os ornamentos, adorar a divindade numa caverna.
A lógica do altruísmo leva a uma vida inteiramente dependente duma causa exterior, neste caso, a infelicidade dos outros. O altruísta não saberia viver numa comunidade sem problemas. Se em toda a terra os homens aprendessem o caminho da perfeição e o segredo da felicidade, ele viveria para causar a tristeza no meio deles.
Ora a tristeza é uma imperfeição do ser, como diz Spinoza. E a virtude, longe de ser a causa da felicidade é o seu fruto maravilhoso. Porque, como há-de amar o próximo e fazê-lo viver, quem se mortificar, e em si mesmo desprezar as forças da vida? A via da santidade encontra de algum modo a trajectória da perfeição individual e a vontade de viver a felicidade.
Se pensarmos bem a natureza, o cosmos onde gravita a nossa alma, a própria divindade, só são perfeitamente compreensíveis quando assumem a forma humana. Todos esses nomes poéticos são metáforas da única realidade a que temos acesso. A máscara de Zeus é por isso mais próxima da verdade que o conceito filosófico do século dezoito ou dezanove. E então, o êxtase místico e sensual que inspira a John Cowper Powys a contemplação dos símbolos dessa religião rousseauista deve ser ainda mais pleno e atingir maior significado quando é o homem concreto, nosso semelhante, que se contempla. E quanto mais difícil o labor da vontade para vencer a paixão da “mimesis” e a imaginação dos signos arbitrários! Mas não é o homem, realidade última e única religião do niilismo moderno. É o sobrenatural do quotidiano, o mistério profundo do que nos é familiar.
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