terça-feira, 25 de outubro de 2005

DIREITOS POR LINHAS TORTAS

O 52 ed Lirba




« Contrariamente ao que se diz no « Sermão da Montanha”, se tens sede de justiça, terás sempre sede.”
Jules Renard (1864/1910)





Teremos então de admitir que há profissões com menos direitos do que outras e que, pela função, pelos meios de que dispõem contraem certas obrigações que importam alguma restrição àqueles direitos? Mas de que direitos estamos a falar? 

A teoria dos direitos em abstracto filia-se numa certa tradição revolucionária e significa uma espécie de reparação catártica feita aos injustiçados da História, que em princípio seriam os trabalhadores. 

Mas há trabalhadores e trabalhadores e há as profissões que são como um manto de misericórdia que não distingue o explorado do explorador. Salgado de Matos dizia há dias, com justeza, que ser banqueiro também é uma profissão (como juiz e militar).

E não podemos ficar por aí, porque na classe dos trabalhadores encontramos um mundo de diferenças, de estatuto, de segurança do emprego e de poder sobre outros trabalhadores.

De facto, não podemos desligar a questão dos direitos da posição face aos poderes (incluamos aqui os privilégios, mesmo relativos, e o poder estratégico ligado à função). É assim que a ideia de justiça pode servir aos fins de alguns grupos que apenas visam usufruir dum estatuto que em tudo os separa dos “injustiçados”. O lugar preferido do diabo é detrás da cruz. 

Por outro lado, quando se comparam os meios de luta dos trabalhadores em geral e os desses grupos que ocupam posições estratégicas, verificamos que a eficácia destes é desproporcionada ao seu número, o que nos leva a pensar que alguma espécie de equilíbrio deveria ter lugar para se restabelecer a justiça e a democracia. Se não for obtido pela auto-contenção e o sentido de obrigações particulares, deverá sê-lo através das leis. 

Porque, invocando-se a justiça, o que está aqui em causa é o exercício dum poder, e é bom de ver que a democracia não é compatível com o livre oportunismo dos grupos de força (sejam eles corporativos, empresariais ou políticos). 

Por exemplo, o diferencial de poder dos maquinistas da CP em relação aos outros trabalhadores nunca os impediu de usá-lo, sempre com sucesso garantido. No caso das forças armadas, por que não se utilizariam os tanques para um sequestro do governo? 

Entre este putsch surrealista e um putsch a sério, a diferença é que naquele se jogaria, talvez, com a almofada europeia, conjurando-se o perigo insurreccional. Em qualquer caso seria um descalabro moral e o fim de qualquer governo.

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