quinta-feira, 15 de novembro de 2012

SABÃO METAFÍSICO

Une petite femme s'occupant à savonner (1737- Chardin)




"A tese que pretende que um grande consumo de sabão testemunha de se ser muito limpo não será forçosamente justa em moral, em que se revelarão mais justas pelo contrário as teorias modernas segundo as quais a obsessão pela higiene seria o sintoma duma falta de limpeza interna. Seria uma útil experiência limitar por uma vez ao mínimo a despesa moral, de qualquer espécie que seja, que acompanha todos os nossos actos, e de cada um se contentar em ser moral apenas nos casos excepcionais em que se trata verdadeiramente de o ser, concedendo aos seus actos, em todos os outros casos, não mais reflexão do que à normalização indispensável dos parafusos e dos lápis."



Robert Musil ("O Homem sem Qualidades")



Não saberíamos, noutros tempos, explicar o excesso de sabão senão pelo gosto do desperdício, por exemplo.

Mais refinada, a nossa época vê nisso uma contaminação do moral pelo físico, da palavra pela metáfora.

E enquanto a sujidade do corpo justifica apenas uma quantidade limitada de sabão, a da alma pode não ter limite.

Antes da psicanálise, já existiam gestos obsessivos (Lady Mac Beth tentando lavar as mãos ensanguentadas). Mas é agora que procuramos lê-los como linguagem.

Assim, encontramos tudo dentro de nós ( a linguagem duplica o mundo). De tal modo que eliminadas as hipóteses que foram por algum tempo necessárias, voltamos ao princípio do "tudo são deuses" (Tales) ou do tudo é linguagem.

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