terça-feira, 6 de novembro de 2012

O VELHO DO RESTELO



"O accionista fica pensativo diante do total das despesas gerais. Os negócios engordam, e o lucro emagrece. Tal é a malícia da organização. Isso aparece em parangonas no Estado, onde vemos que os vigilantes mais alto colocados fixam primeiro os seus salários, que são belíssimos salários. No ensino público, por exemplo, aquele que faz trabalhar os outros é mais bem pago do que aquele que trabalha. Este género de patrão assalariado é um produto da organização. Tem um gabinete, recebe, escreve, viaja; inventa ele mesmo o seu trabalho; e todas as suas combinações têm um duplo fim; pensa em fazer trabalhar os outros e em aumentar o seu próprio salário. No que o vejo atarefado e agitado. Mas é preciso acreditar que o emprego é bom, porque para o conseguir se empurram uns aos outros. Este espírito dos Altos Assalariados infiltrou-se também na indústria. É que não há razão para que um grande patrão não seja ele próprio o seu mais alto empregado e para que não reserve para os seus filhos e sobrinhos os bons lugares de que dispõe. Vale muito mais ser pago a cem mil francos do que esperar a sua parte dos lucros. As despesas gerais aumentam; mas com os gastos da organização passa-se o mesmo que com o preço do cobre ou do carvão. É preciso o que é preciso. E quem quer que organize gabar-se-á um dia de um aluguer ruinoso; sempre as despesas gerais. Há uma espécie de leilão desse lado que é mal conhecida; esse género de homem multiplica as suas despesas; declama contra a vida cara e finalmente cria esta opinião de que cem mil francos são apenas o pão do organizador. É uma maneira de erguer como num pedestal o mínimo do vencimento fixo. É assim que a confraria dos Patrões Assalariados se eleva vertiginosamente, multiplicando os gabinetes de estudo e de estatística. Tal é o nosso grande cérebro; e é ele mesmo que nos dirá se somos ricos ou pobres e porquê."

"Propos sur l'économique" (Alain)



Este "propos" escrito em plena crise dos anos 20-30, poderia até há bem pouco tempo ser atribuído a qualquer 'velho do Restelo', destituído da audácia dos 'novos tempos', presa de velhos preconceitos sobre a prudência e o 'realismo' em economia.

Foram de facto tempos em que seria impensável um comentador como Medina Carreira, com o seu espírito, alguns diriam,  'pequeno-burguês', ter a audiência que tem na televisão.

Passámos da cornucópia do dinheiro fácil a uma rápida perda da soberania, às mãos de credores assustados, no afundamento do Lehman, com o que parecia uma vingança da realidade sobre o espírito de ganância.

Talvez que a 'realidade' nos tenha feito acertar o passo. Mas a história parece dizer outra coisa. A sucessão de falências dos estados ( a nossa é só a sexta desde há duzentos anos; no mesmo período "existiram, pelo menos, 250 falências de países" - Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart da Universidade de Harvard, citados por Luís Gonçalves no "Sol") e as dívidas colossais de alguns dos países mais ricos diz-nos que a 'realidade' se parece muito com uma conjuntura e com um estado de espírito, nem sempre lúcido. Uma descoberta pode inverter as situações (os EUA  estarão em vias de rentabilizar as suas jazidas de xisto betuminoso, e de deixarem de depender das importações de petróleo), e o regresso da confiança ou da credulidade dos grandes investidores (entre os quais se encontra a poupança dos trabalhadores) precipitar-nos-á num novo ciclo de crescimento 'sustentado' em meras hipóteses.

Mas a história de que serão as gerações futuras a pagar as dívidas dos avós está mal contada. Era preciso saber a parte que a revolução tecnológica e a política jogam no ressarcimento dívida. Talvez seja, aliás, a única forma das populações beneficiarem dos ganhos de produtividade que a elite dos negócios quer só para si e, evidentemente,  para os especialistas da computação. 
  

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