segunda-feira, 19 de novembro de 2012

MORTIFICAÇÃO



O retábulo de Isenheim de Grunewald



"Querendo impedir, como nos impõe o nosso cargo, com oportunos remédios, que o flagelo da perversidade herética difunda os seus venenos em prejuízo dos inocentes, seja permitido aos inquisidores supramencionados, Sprenger e Kramer, exercer o ofício inquisitorial naquelas terras."


(Inocêncio VIII, 1484, bula "Summis desiderantes affectibus", citado por Umberto Eco)




O papa Inocêncio, na declinante Idade Média, autoriza a tortura para defesa dos dogmas da sua Igreja. A segurança de todo o edifício católico depende da obediência 'inocente'. A obediência cívica não é suficiente.

Já, a propósito de Cássio que o havia de assassinar com os outros amigos de Bruto, o César do vate inglês diz que é preciso desconfiar dos homens magros, porque em vez de se contentarem com os prazeres ao seu alcance, pensam de mais.

É a lição dos falsos 'integrados' do Ocidente que, apesar dos sorrisos e das boas maneiras, pensam com o turbante. Como os judeus que, mesmo no auge duma assimilação conseguida, viviam para a sua Jerusalém Celeste, os novos 'heréticos' inventaram o paraíso dos heróis e das virgens por que vale a pena morrer, à medida em que o 'inimigo' de morte criou, na terra, a sua distopia tecnológica e guerreira.

A Inquisição explica-se mais pela histeria do espírito separado dum corpo que se despreza, como 'matéria vil', ou que é odiado como prisão da alma, do que pela política dos interesses. À luz desta política, esse movimento da Igreja foi uma calamidade. Como Spinoza foi perdido para nós, a nossa própria economia perdeu os seus mais dinâmicos agentes.

Teria esta cultura podido inventar o 'habeas corpus', quando fez dum corpo mortificado (é preciso o extremo dum Grunewald para ter uma ideia dessa mortificação) o símbolo dos símbolos?



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