domingo, 5 de agosto de 2012

O CAVALO DE TURIM



Haveria uma forma elíptica, digamos, de sentirmos (mais do que vermos) a experiência-limite que é o tema de "O cavalo de Turim" de Bélla Tarr?

O filme, por isso, dura 146 penosos minutos em que, realmente, nada acontece (para além da visita dum 'fantasma nitzscheano', na definição do próprio Tarr e da passagem dos ciganos (povo perseguido que agora se sente quase à vontade na perseguição dos elementos).

Podemos pensar que o pai (que tem o braço direito paralisado e às vezes nos faz lembrar o Moisés de Miguel Ângelo) veio com a filha, através dos campos, directamente da segunda cena de rua mais célebre da filosofia. Depois do buraco em que Tales caiu quando olhava as estrelas, provocando o riso da criada trácia, o soçobro da razão do autor do 'Zaratustra', abraçado ao cavalo que o cocheiro ameaçava chicotear, é o outro momento em que o espírito 'terreno' ( e feminino, não houvesse uma mulher do povo na primeira história) parece pôr em xeque todos os 'nefelibatas'.

Tarr não se descose. Sujeita-nos àquela música mecânica e aos sons duma tempestade apocalíptica que não pára de moer. O cavalo cumpre o seu papel de ligação com o 'real' (a loucura de Nietzsche), prosseguindo a sua greve ao trabalho e ao próprio alimento, como se fosse, de facto, o arauto da progressiva desistência de todos os seres vivos, face ao sacrilégio absoluto do filósofo que negou Deus 'definitivamente'. De tal modo, que podemos também interpretar  este 'segundo tempo' da cena de rua em Turim como a duma metempsicose da razão nietzscheana na alma do mundo sem Deus, com um equídeo como mediador.

A eficaz poesia desta parábola dá-nos, sobretudo, a imagem dum mundo tão despido do humano que em momento nenhum lobrigamos o sinal de algum prazer, por pequeno que seja, em qualquer das personagens principais. Tudo é repetição. A falta de sentido que leva ao diálogo final em que o pai diz que é preciso comer, é a melhor 'demonstração' do filme.  Porque não conseguimos imaginar que o prazer (nem que seja devido a uma suspensão da dor) nos abandone tão completamente. Na verdade, o cocheiro e a sua lacónica herdeira já estão mortos há muito tempo.

1 comentários:

Anónimo disse...

A sobrevivência é uma antecâmara da morte ou da vida e tudo depende dos "laços" e, portanto, do prazer?
Minutos penosos sim, como é a partilha da miséria e do seu quase inquebrável circulo.

Maria Helena