sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

LATRINÁRIAS


Latrina romana de Minturno


O eufemismo é-nos essencial como andar a pé. Um posto de observação existe, donde isso é claro e comum a todos os homens: é a retrete. Esse compartimento absoluto que nos defende da aparência e nos impede de cair colectivamente.

O homem “ocupado”, mas com a cabeça de fora, mostraria demasiado. Por isso as paredes cobrem todo o corpo e os gestos necessários, e as palavras que às vezes se trocam com o exterior querem sempre dizer outra coisa do que o que dizem. O water-closet é o começo da ética.

Em nenhum outro lugar também a verdade literal e a ordem dos factos aparecem como menos significativas. É preciso escolher contra as provas que provam sempre de mais. A sociedade preparou esse juízo durante toda a história da religião, e é isso que se vem reflectir no azulejo e no regime da água. Esta nudez íntima, quase visceral, é insuportável ao pensamento. É o contrário do slip da publicidade e da nudez da praia. A beleza juvenil nunca está completamente nua. O prestígio da arte e a longa educação visual prendem-nos à formas e aos signos perante o espectáculo da multidão indiferente e que se recusa a lisonjear.

O escândalo existe sempre no despir sem arte e sem preparação. Nunca a cidade se viu tão olhada pelo sexo, e, no entanto, o sistema moral não mudou. Porque os cartazes dirigem-se a crianças feitas, formadas pela censura do corpo delirante e anárquico e que nos hábitos da boca e do ânus continuam o culto religioso. É superficial o poder da indústria pornográfica quando a influência da casa e do trabalho tem a mínima possibilidade de se exercer. Que pode o sexo como ideal de vida? Todo o pensamento é contra, e o energúmeno que corre atrás das sensações, no fundo, aborrece-se da vida.

Não há nada que mais levante o moral do que a educação a que o maior bruto se sente obrigado, e mais, que até certo ponto lhe é natural, numa retrete frequentada. Aí se vê que é o espírito a verdade do homem e nenhuma misantropia pode convencer-me de que é o animal que fecha a porta. No cubículo, o perigo é o espelho e a leitura do papel que tão bem se diz higiénico. Há um prazer da função que é perfeito e só se pensa ao nível da terra iluminada. Mas a civilização nevrótica é impaciente e não sabe que fazer dessa atenção. É o peso então que resolve, enquanto o paciente lê o jornal. Na realidade, a leitura é ainda um pretexto. Quando a secção toda passa os olhos pelo “Notícias” na “casa de banho”, desculpa a actividade inferior que é a mais importante, com um exercício todo intelectual. Ninguém pensa nas calças descidas nem no homem humilhado. Quem ouve de fora o virar das páginas, pensa num leitor que se balda um pouco ao trabalho. O autoclismo é sublimador. A água transporta para o rio do inconsciente colectivo o corpo separado, punido com a morte e o inorgânico.

A falta de água é sempre uma crise moral. Até a cortesia se ressente, porque se suspeita da mão do outro. E para salvarmos o espírito em nós, acusamos de traição os infectos da latrina. A função de pensar depende de bons esgotos!

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