"Peça inacabada para um piano mecânico" (1977-Nikita Mikhalkov)
Nikita Mikhalkov escolheu algumas personagens do teatro de Tchekov e fez um filme com essa temática: "Peça inacabada para um piano mecânico".
Sem o tempo, nem a economia das peças, não deixamos de reconhecer o tom genuíno, a atmosfera particular, o huis-clos techekoviano que o cineasta não abre mais do que o desejável, mesmo se grande parte do filme decorre em exteriores.
As figuras são nossas conhecidas: o médico que tem medo das estradas e é incapaz de sacrificar o mais estúpido dos prazeres, a ociosidade dos nobres que já não acreditam nos privilégios e por isso sentem a necessidade de constantemente recordarem a si próprios o seu "sangue azul" e a sua ilustração, fazendo gala de um darwinismo social, ou como o inútil do filho da casa que, embevecido pelo feminismo da consorte, se enternece com a ideia de doar os seus fraques aos mujiques.
O velho general dorme à frente de todos. A fé e o amor são traídos pelos melhores e os mais inteligentes, como Platanov. Este, numa cena que lembra o Murnau do "Nosferatu", depois de desmascarar a impotência do velho pretendente de Anna Petrovna, desliza pelo prado cacarejando um demoníaco falsete.
Julgando todo este grupo moralmente exausto, mas sentimentalmente refém, o credor de todos, filho de um operário, parece a demonstração da dialéctica hegeliana do senhor e do escravo.
Platonov é a consciência infeliz deste grupo que se entredevora, espantando o tédio com jogos de salão e foguetórios no rio. E o que mais impressiona é esse não arredar pé uns dos outros, por muito que se canibalizem. A solidariedade do grupo é-lhes mais cara do que a própria dignidade. Por isso, na cena final, todo o bando vem resgatar de braços abertos o rebelde Platonov que acaba de sofrer a última das humilhações com uma ridícula tentativa de suicídio.
Indiferente a este colectivo chilique, o rapazinho, sobrinho do darwinista, volta as costas ao sol da manhã e sonha, talvez, com um mundo sem raízes.
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