segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O PARTIDO DO AMOR





"(...) se me tivessem perguntado em que é que - no decurso dessa tagarelice interminável, em que calava a Albertine a única coisa em que pensava - se baseava a minha hipótese optimista a respeito de possíveis complacências, eu teria talvez respondido que esta hipótese era devida (enquanto os traços esquecidos da voz de Albertine redesenhavam para mim o contorno da sua personalidade) à aparição de certas palavras que não faziam parte do seu vocabulário, pelo menos na acepção que ela agora lhes dava."

"Le Côté de Guermantes" (Marcel Proust)

Há, claro, todo um preconceito nesta apreciação da jovem amiga que o visita em Paris, e perante a qual se encontra numa situação simétrica àquela em que tinha experimentado uma resistência (então, era ela que estava deitada), mas também perante o poder de uma presença fisicamente decepcionante, a ponto de, para guardar alguma coisa da imagem que o simples nome evocava, desejar, por momentos, fechar os olhos. Com efeito, pressupunha que essa mudança de vocabulário não era espontânea no meio social de Albertine. Isso sugeria-lhe como que uma perda de inocência propícia ao "partido do amor", como diria Stendhal. "'Selecção'(com o significado de elegante), mesmo para o golfe, pareceu-me tão incompatível com a família Simonet, como o seria, acompanhada do adjectivo 'natural', com um texto anterior de vários séculos aos trabalhos de Darwin."

Depois, o efeito de sugestão numa imaginação literária como a de Marcel de uma frase como: "C'est à mon sens, ce qui pouvait arriver de mieux...J'estime que c'est la meilleure solution, la solution élégante.", no que ela promete de uma evolução misteriosa, num sentido indefinido, mas tão cativante pela novidade que, contrariando o desejo manifestado várias vezes pela sua amiga de se despedir, a essas palavras a atraiu a si e a fez sentar de novo na beira do leito.

E Marcel, que não amava ainda essa "rosa à beira-mar", de pétalas tão defeituosas, como não podia ter deixado de se aperceber pela proximidade, começava, enfim, a vislumbrar o princípio completamente independente do físico que explica a paixão amorosa.

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