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Barreiro (José Ames) |
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Uma lição de amor (Ingmar Bergman) |
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Albert Camus |
"O poder não se separa da injustiça. O bom poder é a administração sã e prudente da injustiça."
(Albert Camus)
Forçosamente, numa grande administração, as decisões são cegas sobre a maior parte das suas consequências fora do papel. Quero dizer que uma boa intuição e uma grande dose de sorte podem levar a melhores resultados que a 'competência' e a honestidade intelectual.
Não é só ter que 'agradar a Gregos e a Troianos' (e estamos a excluir a teoria da 'correia de transmissão' entre um governo e a 'classe dominante'). É que, na completa incerteza, a tendência é seguir os trilhos conhecidos da 'injustiça instalada'. É essa a grande objecção ao chamado reformismo, o qual, não obstante isso, é melhor do que o 'salto no escuro'. O 'escuro' aparece logo que se deixe de acreditar na pseudo-ciência económica.
O poder não sabe 'onde põe os pés', e a prudência seria, de facto, o menor mal, se os homens pudessem sempre ser razoáveis.
Mesmo quando a razão consegue ganhar alguma independência em relação às 'paixões', nunca é suficientemente isenta de 'racionalismo' e de vontade de poder.
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Simone Weil |
"Alain, surpreendido com a sua falta de elegância e de feminilidade, apelidou-a de a 'Marciana' porque "não tinha nada de nós e julgáva-nos a todos soberanamente."
(in "Alain" de André Sernin)
Tal foi a primeira impressão que causou Simone Weil no seu mestre. O mesmo ser, que a certa altura do seu percurso espiritual procurou na passividade da matéria o modelo da obediência (ao Bem platónico e cristão) e da anulação da perspectiva egoísta, começou por marcar todos os que dela se tentaram aproximar com essa impressão de orgulho e de intransigência.
Pergunto-me se em todos os casos de 'santidade' não existirá, secretamente, essa raiz de orgulho, quanto mais não seja pelo reflexo do Bem ou da 'presença' do Cristo que distingue o que julga beneficiar deles. Parece-me certo que nenhuma humilhação sem a correspondente esperança ( fujo a empregar o termo pascaliano de 'aposta') terá qualquer efeito 'sobrenatural' (palavra weiliana se alguma é).
Thomas Nevin, na sua biografia de Simone, explica o seu orgulho (decerto, não apenas intelectual) pela relação privilegiada do povo judaico com o seu Deus. Simone era judia, 'não-assumida'.
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(...) As relações da Antiguidade com o cosmos instauravam-se de outra maneira: na embriaguês. Ora, a embriaguês é a única experiência pela qual nós nos asseguramos do mais próximo e do mais longínquo, e nunca um sem o outro. Mas isso significa que o homem não pode comunicar em estado de embriaguês com o cosmos senão em comunidade. É a marca da ameaçadora confusão da comunidade moderna de ter esta experiência por qualquer coisa de insignificante que se pode rejeitar e abandonar ao indivíduo, que faz dela um delírio místico por ocasião das belas noites estreladas."
"Sens unique" (Walter Benjamin, citado em "Critique de la Raison Cynique")
Um céu recamado de estrelas, contemplado como se fosse a primeira vez, é um desses contactos com a Beleza que os Gregos ousavam pedir aos deuses duas ou três vezes apenas na vida.
É preciso entregarmo-nos, como quem mergulha num banho lustral, deixando no vestíbulo as sandálias e todas as armas (incluídas as intelectuais).
Essa é uma experiência próxima talvez do "delírio místico", mas não creio que o sentimento da comunidade, neste caso, seja um órgão especialmente dotado para a comunicação com o cosmos e para a certeza do perto e do longe.
Ao contrário da embriaguês individual, receio que a colectiva tenha sempre um desfecho desastroso (contrário aos astros).
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Sofia Tolsto |
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Maquiavel |
"Para ele (Maquiavel), o ponto decisivo era o de que todo o contacto entre a religião e a política tem de corromper as duas, e que uma Igreja não corrompida, se bem que muito mais respeitável, seria ainda mais destruidora para o domínio público que a Igreja corrompida de então."
(Hanna Arendt)
O mundo islâmico, para tragédia de todos, não teve o seu Maquiavel. Isto é, nunca terá organizado a sociedade civil fora do Estado-religião.
Compreendemos que a Igreja dos Bórgias foi indigna do Cristianismo, mas livrou-nos de Savonarola. O espírito deste era, de facto, o espírito, sem mais. A corrupção contra a qual profetizava era mais do que real e destruia a Igreja (ou obrigava-a mudar, como aconteceu, apesar de tudo). Mas a visão religiosa deste frade abafaria o indivíduo num mundo pré-político, sem liberdade.
Sempre que do mundo político emerge um espírito quase religioso que sumerge o indivíduo num partido, o eterno Savonarola ressuscita. No mundo moderno, isso, porém, só pode levar ao fracasso, e à podridão da política e dessa religião inferior.
Os anos 80 do século passado mostraram-nos que mesmo o 'cedro do Líbano' pode cair fulminado pela corrupção e o 'double talk'.
"Ivan Illich, um eminente crítico da expropriação do conhecimento em direcção a um mundo inferior de peritos e abstracção, argumenta em 'Medical Nemesis' que a medicina profissional pode causar mais mal do que bem. Vamos aos médicos como vamos à oficina de mecânica. Eles falam uma linguagem que permanece impenetrável para nós. Acreditamos na cura na base de fé."
(Jerry Mander)
Illich foi um prègador incansável dos anos setenta. Eram os tempos de maior notoriedade da anti-psiquiatria e da escola 'não-directiva', do hino dos Pink Floyd 'Leave the kids alone!'. Enfim, também de outras utopias, herdeiras, em boa parte, do Maio de 1968, a maior 'bolha' revolucionária da história recente. Se a expressão 'espírito do tempo' ('zeitgeist') tem algum sentido, nunca ele foi tão presente e, com a aceleração do movimento social, tão 'consciente'. Pode-se, com efeito, estar equivocado com o sentido do movimento, mas vemo-nos a agir, o que é, sem dúvida, entusiasmante.
O que é desarmante é que Illich tem razão no fundamental. Mander cita ainda o caso de uma índia brasileira que compara a simplicidade e a eficácia dos contraceptivos tradicionais, com a complicação moderna no que implica em organização, divisão do trabalho e 'expropriação' da iniciativa individual. É a diferença entre a aldeia da tribo e a 'aldeia global'.
O balanço final que o nosso profeta arrisca é inescrutinável e talvez inútil. O crescimento e a concentração no mesmo lugar da população impõe um fardo que nada tem de romântico. Mas, muitas vezes, não temos outras ideias.
Outro exemplo flagrante é o da democracia e do 'espírito democrático' que, hoje, nada podem ter a ver com a experiência da Grécia antiga. A ideia de representação, no Estado da nossa nebulosa sócio-electrónica, parece mais um dos célebres mitos atenienses...
Jean-Claude Dreyfus e Lucy Russell
Jean-Claude Dreyfus, que interpreta Philippe-Égalité na "Inglesa e o Duque" (2001-Eric Rohmer), diz na entrevista incluída no DVD que o seu físico corresponderia ao do personagem. E até a sua faceta de bon vivant dispensaria qualquer composição.
O mesmo não se passaria com a alegada estupidez do Duque de Orléans, sobre a qual, sorrindo, o actor sugere que teve muito que compor. O sorriso faz, graciosamente, passar a imodéstia. Mas é um terreno escorregadio o da inteligência.
No caso do Duque, a possível falta dela não lhe salvou a cabeça, mas permitiu-lhe, por muito tempo ( aqui a longevidade é relativa ), navegar por entre os perigos, até ao dia fatídico.