quarta-feira, 4 de junho de 2014

TABUADA E TOLERÂNCIA

Ramalho Ortigão

 

"(...) sem o cepticismo, progresso, mudança, civilização, tudo seria impossivel. Na física é ele o precursor necessário da ciência; na política o precursor da liberdade; na religião o precursor da tolerância."

Ramalho Ortigão ("As Farpas")

 

A tolerância, segundo Ramalho, seria uma virtude da religião. Como é possível antecipar assim o 'politicamente correcto'? Mas não nos devíamos admirar. O século XIX está sempre a surpreender-nos. Não é o que acontece agora com o livro de Piketty? Não havia ouvidos para ouvir, nem olhos para ver, mas essas ideias vêm da mesma sementeira. Só que o mundo mudou, mais consistentemente do que uma revolução o poderia fazer.

Em que se tornaram aqueles generosos princípios de ciência, liberdade e tolerância cantados pelo nosso 'forcado' (a pose da estátua sugere que o homem espera uma arremetida) do jardim da Cordoaria? A ciência deixou de ser o santuário das novas certezas. A liberdade passou a ser a melhor maneira de sermos vigiados e programados. Quanto à tolerância, parece uma justificação para a indiferença e deixou de ser uma atitude exclusiva da religião. Faz parte daquilo a que Gonçalo M. Tavares chama de 'Tabuada'. Na hora do desespero, já não rezamos, porque temos a tabuada e uma confiança, cada vez pior retribuída, na Técnica.

O título de um dos livros daquele autor sugere que já nos demos conta do que se passa: "Rezar na Era da Técnica".


 

 

 

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