terça-feira, 30 de agosto de 2016

A ÓPTICA DO DESERTO


Diálogo entre Casanova e o turco Yosouff:

"- Estás seguro, meu querido pai, de que a tua religião seja a única em que uma pessoa se pode salvar?

- Não, meu querido filho, não tenho essa certeza, e nenhum homem pode tê-la; mas estou seguro de que a religião cristã é falsa, porque não poderia ser universal.

- Porquê?

- Porque não há pão nem vinho em três quartas partes do globo. Repara que o Corão pode ser seguido em toda a parte."

E comenta o veneziano: "Eu não soube o que lhe responder, e achei que devia tergiversar."
"Memórias de Casanova"


Do embaraço de Casanova não havia de sofrer um teólogo experimentado em dialéctica, que saberia fazer reverter o concreto em abstracto e o histórico em universal.

Mas a questão das formas e da liturgia é aparentada com a da representação do divino.

No deserto, a única sombra é a nossa e a simplicidade de Deus é experimental.

Continua Yosouff: "Nós dizemos que ele é uno; eis uma imagem do simples. Vós dizeis que ele é um e três ao mesmo tempo; e isso parece-me uma definição contraditória, absurda e ímpia."

- "É um mistério", replica Casanova.
(ibidem)

Há demasiada luz no deserto, e o homem não pode ter segredos, mesmo dos que são essenciais à espécie.

0 comentários: