quinta-feira, 5 de novembro de 2015

RICOEUR E O TRÁGICO

A Arca de Noé



"Por meio do mito da queda compreender-se-á que o mal não é o simétrico do bem, a maldade o substituto da bondade do homem, mas o murchar, o obscurecer, o "tornar feio" duma inocência, duma luz e duma bondade que permanecem. Por mais radical que seja o mal, não poderia ser tão originário como a bondade."

"La Symbolique du Mal" (Paul Ricoeur)


Esta ideia dum mal que não é retribuição da nossa culpa, que pode ser desencadeado por mim, mas apesar de mim, com a minha inadvertência, a minha ignorância - e conhecer a proibição não implica conhecer tudo das consequências, cedendo a uma força, a uma sedução, a algo que já existe desde a "origem", que não é o reverso do bem, porque é a contingência que escapa à totalidade é, segundo Ricoeur, a essência do trágico.

"(...) a tragédia evidencia o carácter constitutivamente aporético do mal ao mesmo tempo que desoculta a incomensurabilidade entre a vocação expressiva da linguagem e a intencionalidade ontológica que a habita."

("O mal como escândalo: Pierre Ricoeur e a dimensão trágica da existência" de Fernanda Henriques)

Na medida em que não podemos ter sucesso na racionalização do mundo que não fizemos, a tragédia é o símbolo da infinidade que sempre ficará de fora.

E, assim, poderíamos compreender o mal não ético como o princípio daquilo que nos confronta e que temos de "compreender" para não sermos submergidos por um absurdo exterior.

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