quinta-feira, 21 de maio de 2015

DESORAR





"Retz acalma facilmente um primeiro levantamento em Paris, porque está na hora do jantar: 'Os mais excitados não querem aquilo a que eles chamam desorar-se.'"

(O Cardeal de Retz, in "Cahiers", de Albert Camus)

Embora uma pesquisa rápida por vários dicionários e textos antigos não me tenha ajudado a identificar o significado da expressão 'se désorer', utilizada por Retz, diria que pode ser comparado a 'perder a oportunidade'; tomei a liberdade de a traduzir por desorar (como em 'a desoras').

Tanto mais que é o melhor sentido que se pode dar no contexto. Os amotinados querem aproveitar o ímpeto da multidão que, como sabemos, é sol de pouca dura. Conheci há muito tempo um velho revolucionário que pensava que a Revolução dependia de, como se diz agora, 'uma janela de oportunidade'. Na verdade, ele utilizou a figura do comboio que pode passar, sem parar, se não estivermos vigilantes.

O famoso arcebispo de Paris, que foi, talvez, a figura de proa do movimento conhecido pela Fronda, durante a menoridade de Luís XIV, pensava, pelo contrário, que havia um tempo para tudo, e aquele era o tempo de fazer uma coisa comezinha, mas vital: comer.

Li, há pouco tempo, numa evocação dos tempos em que Mário Soares andava em campanha pela 'província', que  se recusou a prosseguir sem primeiro terem um almoço aprazível no melhor restaurante da cidade.

A esta norma de vida, do nosso estadista e de Jean-François Gondi, do século XVII, só um louco se pode opor, e é isso que é um cérebro exaltado.

O que espanta é que alguns queiram construir algo de duradouro sobre um cabouco desses...


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