sábado, 30 de novembro de 2013
EPPURE SI MUOVE
Galileu Galilei
Gibbon, na seu monumental "Declínio e Queda do Império Romano", aponta cinco causas para a evolução do Cristianismo:
" I - O inflexível e, se é que podemos empregar tal expressão, intolerante zelo dos cristãos, resultante, é bem certo, da religião judaica, mas expurgado do espírito estreito e insociável que, em vez de convidar, demovera os gentios de abraçar a lei de Moisés;
II - A doutrina de uma vida futura, aperfeiçoada por todas as circunstâncias adicionais e susceptíveis de conferir peso e eficácia a esta importante verdade;
III - Os poderes milagrosos atribuídos à Igreja primitiva;
IV - A pura e austera moral dos cristãos;
V - A união e disciplina da comunidade cristã que, a pouco e pouco, constituiu um Estado independente e florescente no seio do Império Romano."
A Igreja católica é, sem dúvida uma das instituições que mais resistiu à prova do tempo, ultrapassando em muito, por exemplo, a longevidade do Império Romano.
Todas as causas apontadas por Gibbon podem explicar, como ele diz, a evolução, mas em nada nos esclarecem sobre uma permanência que só encontra comparação nos tempos faraónicos.
O segredo destes governos teológicos é que, parecendo não se moverem (o problema é que não conseguem ficar parados), realçam o efémero de todo o movimento circundante.
Como uma constelação, inscrita noutro céu que não o da astrologia, convertem os acidentes do mundo e as próprias revoluções em pura "relatividade", insubstancial como as modas.
E, no entanto, movem-se...
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
O ESTÁDIO DO CONHECIMENTO
"Não é deixar de acertar, mostrar embora que as coisas se não acertam."
(D. Francisco Manuel de Melo)
Crescem as coisas sobre as quais só podemos dizer que não se acertam e, nisso, segundo o nosso autor seiscentista, não deixamos de ter razão.
A ciência tem uma cláusula que abona, aparentemente, em favor da sua humildade. É a que faz preceder toda a declaração dum: tanto quanto é do conhecimento actual...
Deixa-nos, assim, a esperança de que o que falta conhecer é uma questão de tempo.
E, com isso, é muito mais "auto-convencida" do que Sócrates que só sabia que nada sabia.
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
O ENRAIZAMENTO
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Simone Weil |
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
AUTO-REVELAÇÃO
"Se não existissem seres humanos na terra, os objectos a que chamamos pedras estaríam aí, apesar disso; mas não seriam 'pedras', porque não haveria minerologia bem como uma linguagem capaz de as classificar e distinguir de outros objectos. (...) O inteiro desenvolvimento da epistemologia contemporânea estabeleceu que não há facto que permita que o seu significado seja lido transparentemente. Por exemplo, a crítica de Popper do verificacionismo mostrou que facto algum pode provar uma teoria, uma vez que não há garantia de que esse facto não possa ser provado de uma maneira melhor - por isso, determinado no seu significado - por uma teoria posterior mais compreensiva."
(Ernesto Laclau e Chantal Mouffe in "Post-Marxism without Apologies")
O social e a cultura vêm antes dos factos. Como dizem os autores, os factos não são 'transparentes'. Os mais óbvios resultam de uma leitura comum, de um consenso implícito. Por isso é tão importante dominar a linguagem e as sub-espécies dela.
Há factos científicos e técnicos que para a grande maioria das pessoas valem tanto como superstições. Quem precisa, por exemplo, de compreender a teoria quântica para aceitar como adquirido pela espécie, e seu de algum modo, um dos modernos 'gadgets' que existem graças a essa teoria?
A relação entre a extrema especialização científica e o comum dos mortais não é muito diferente da que existia entre os sacerdotes do Antigo Egipto e a população dos 'fiéis'. Porque sempre houve consensos deste tipo ao longo da história, entre os que julgam que sabem e os que sabem que não sabem.
A ideologia, proposta por Marx - e tacitamente aplicada a si próprio -, morreu com ele no 'marxismo triunfante'. Mas, de facto, continua a ser verdade que o pensamento acaba sempre em ideologia. Ela corresponde a uma leitura 'voluntária' dos factos que dispensa grandes consensos. Em política é uma espécie de auto-revelação do poder.
terça-feira, 26 de novembro de 2013
OS CIMOS
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
TUDO E NADA
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Gaston Bachelardl |
"O nada é dado, tudo é construído."
(Gaston Bachelard)
Muitas vezes, ao acordarmos, não há nada. Quer dizer, não há mundo. É preciso um 'restart' que faz inveja ao mais rápido dos nossos computadores. Se estávamos no meio de um sonho, ou se nos lembramos do seu trabalho subterrâneo, acordamos com um farrapo de sentido que não é ainda o mundo.
Numa das últimas entrevistas de Agustina, ela disse que Deus era o equilíbrio perfeito do cosmos.
"- Acredito nisso, e numa sobrevivência. Vivo rodeada de fantasmas." A jornalista interpela:
"- Isso não contradiz a sua racionalidade?"
ABL: "- Não. É também uma forma de racionalidade. Para certas pessoas é mais fácil acreditar que não acreditar."
O "tudo" construído de que fala Bachelard é essa racionalidade no sentido lato, em que o corpo também tem inteligência, como diz a escritora.
Quando se acendem em nós todas as luzes, já somos absolutamente crentes nos nossos mitos e nas nossas histórias. Mas apercebemo-nos tão pouco disso, falamos tão pouco disso, como o marinheiro fala do mar.
De que outra maneira poderíamos viver no 'tudo'?
domingo, 24 de novembro de 2013
PRECEITO TAOISTA
sábado, 23 de novembro de 2013
O PASSADO IMPERFEITO
A participação popular, entendida como a mobilização cívica das paixões, já foi entre nós uma ideia de guerra permanente. Como se a apatia proverbial do nosso povo durante o regime de Salazar tivesse de se resgatar por um estado de alerta totalitário.
Mas quem sofria mais com o apoliticismo das massas era o pequeno-burguês. Ele sonhava com uma aventura épica que o tirasse das suas contradições. A democracia burguesa era odiada pela sua monotonia. Por roubar a estes espíritos torturados a própria necessidade da vingança. Porque o estado que mais lhes convinha era o dos privilégios criadores de riscos e responsabilidade.
O pequeno-burguês, no meio do seu conforto, sentia-se como um oficial na reserva compulsiva. As coisas que a sociedade lhe dava, as vantagens dum bom ordenado e duma boa situação profissional dividiam o seu coração entre o gosto das comodidades e do prestígio social e a veleidade de pagar tudo isso, com a vida se preciso fosse.
Era nisso em que pensava ao ouvir um deles dizer que aquele governo já era totalitário, e que a situação em muitos aspectos era pior do que no fascismo. E mesmo essa sedução por uma figura como Staline, que só conhecia da polémica. A ideia dum povo gigantesco que sacrificasse a sua liberdade para levar ao camponês espoliado da América Latina a mensagem do socialismo era demasiado vital para a sua mentalidade e para uma existência como esta para se arrumar sob a categoria do erro ou da ilusão.
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
A MURALHA CHINESA
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http://politicanadaimparcial.blogspot.pt/2012/09/muralha-da-china-fotografia.html |
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
PARUSIA
"(Schmeisser) vivia 'para' o socialismo. Quando tinha fome ou quando se sentia humilhado, quando bochechava ou quando procurava um botão arrancado, isso era uma etapa na sua marcha para um fim."
"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)
Deveria ser assim que os primeiros cristãos viviam na expectativa da parusia, o próximo regresso de Cristo. Não importavam os azares da vida, o mau carácter dos semelhantes, tudo era provisório. Ganhava-se até, com o sofrer, a alegria do contraste e do merecimento.
Não foi preciso muito tempo para o aperfeiçoamento da doutrina trazer um pouco de bom senso e fazer da paciência uma das maiores virtudes. O exemplo dos santos havia de converter a morte numa espécie de parusia. A vinda de Cristo, sempre imprevisível, tornava-se uma viagem garantida ao seu encontro.
Schmeisser era demasiado jovem para ser paciente e trocar a Revolução para amanhã pelo dia a dia acomodado duma vida burguesa.
O futuro passara a ser uma ideologia que lhe devorava o tempo de viver.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
SÓ SEI QUE NADA SEI
(Alain)
terça-feira, 19 de novembro de 2013
UM SEDUTOR
"Julien tremia de pensar que o seu pedido lhe fosse concedido; o seu papel de sedutor pesava-lhe tão horrivelmente que, se pudesse seguir a sua inclinação, ter-se-ia retirado para o seu quarto durante vários dias, e não teria visto mais essas damas."
"Le Rouge et le Noir" (Stendhal)
A orgulhosa juventude impõe-se sempre o papel que a distingue do que considera a mediocridade. E não é de estranhar, porque nessa idade ainda não sabemos quem somos.
Mas que bela carreira se abre, às vezes, a essa ambição e como o caminho está cheio de descobertas sobre nós mesmos!
É, sem dúvida, uma necessidade que os jovens não possam ser justos em relação às gerações anteriores.
Se os afectos, na família, não moderassem os efeitos desse drástico juízo, não haveria sociedade.
Mas vejamos. Não há uma ideia nos himalaias mentais de Julien Sorel que não seja um lugar-comum transfigurado pela inexperiência. Um sedutor!
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
A PAIXÃO DE TRUMAN
Truman Capote foi acusado por alguns dos seus amigos de explorar psicologicamente Perry Smith, um dos homicidas no massacre dos Clutter (Kansas 1959).
Ao confortar e ajudar os culpados, conseguindo mesmo o adiamento da execução, na verdade, pesquisava, recolhia material para o livro da sua vida, "In cold blood".
Se fosse essa a motivação, o filme de Bennett Miller revela-nos o preço real que o escritor teve de pagar pela sua história. Ao identificar-se com Perry, a ponto de considerar que ambos haviam nascido sob um mesmo tecto ( o da orfandade?), tendo um saído pela porta da frente e o outro pela das traseiras, conhece uma terrível depressão e afunda-se no álcool, não conseguindo acabar mais nenhum livro.
O ponto é que mesmo essa motivação ia ao encontro da necessidade de reconhecimento do condenado.
O interesse, consciente ou não ( terá existido um santo que não pensasse na sua salvação?) pode macular um gesto, mas não é a última palavra. O que acontece a seguir escapa aos actores do drama. "O homem põe e Deus dispõe", diz o ditado.
Alguém pode ser julgado por um motivo, que pesa tão pouco no resultado?
domingo, 17 de novembro de 2013
A HERESIA
Dizia Alain que é pela heresia que a fé se rejuvenesce de século em século. Na verdade, é a dúvida que impede o 'eterno repouso' do pensamento. Para o judaísmo, o nazareno foi um herege, e a Igreja fortaleceu-se no combate às heresias que apareceram depois. Era fatal que depois de dois milénios de experiência em defesa do cânone, e de se ter imposto como a árvore mais antiga, ainda de pé, da nossa cultura, a Igreja já não veja na heresia um grande perigo. As seitas que proliferam, por exemplo, nos EUA, representam uma normalidade com que Roma pode bem.
O grande perigo vem, porém, dessa posição 'acima das heresias' que está a transformar a Igreja num apêndice dos seus museus, nos quais se inclui a sua própria história, as suas ideias e a sua liturgia.
Como os grandes bancos 'demasiado grandes para falir', o seu futuro parece não estar em causa, e existe uma inércia que garante a sua sobrevivência e que os crentes nunca lhe faltem. Por outro lado, o cerco da 'modernidade' desempenha, cada vez mais, a função herética e a ciência vitoriosa não precisou de nenhum 'cavalo de Tróia', para impor a sua idolatria.
Mas é esta situação que pode levar a Igreja, pelo contra-exemplo, à descoberta duma espiritualidade para o nosso tempo.
sábado, 16 de novembro de 2013
UMA "BOUTADE"
"Hoje, toda a gente escreve e já ninguém lê."
(Arnheim, personagem de Robert Musil)
T.E. Lawrence, o famoso Lawrence da Arábia, uma vez confessou a alguém sobre a prosa do seu muito admirado "Seven Pillars of Wisdom" que o seu estilo "era uma coisa fabricada, densamente incrustada com o que me pareceu os melhores bocados e as ideias mais giras de autores estabelecidos." (citado por William Rothenstein)
Esta 'boutade' não tira nada ao valor do escrito. Exprime até muito bem a teatralidade da personagem criada pela lenda. Pode ler-se como a vontade de subalternizar o escritor em relação ao fazedor de história. Mas ao mesmo tempo é uma ostentação do seu génio, para quem o que escreveu não requereu a invenção nem o esforço de que outros precisariam. Parece uma gabarolice adolescente, mas estamos aqui em presença duma 'avis rara'.
O curioso é que a 'boutade' sobre a facilidade em enganar o crítico de letras e de debicar aqui e ali os 'titbits' e os 'wheezes' deixou hoje de o ser porque escrever assim está ao alcance dum simples 'copy and paste', para não falar das capacidades autorais crescentes do computador.
Uma coisa que Proust gostava de fazer, o 'pastiche' do estilo dos outros (que é na verdade um fenómeno bastante comum na literatura, pois se começa quase sempre por imitar alguém), segue-se na lista das possibidades a curto prazo, tal como hoje já se converte uma fotografia ao estilo impressionista, por exemplo.
Com tanta gente, pois, a poder 'exprimir-se' que tempo e vontade há para os verdadeiros autores?
A tecnologia levou-nos a descobrir potenciaiidades da democracia com que nem sonhávamos. Mas se ninguém lê, é o melhor do espírito que se perde, em favor do mediano. O que é uma consequência adivinhada já por Platão.
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
CORRUPÇÃO
Joseph Conrad |
"Sei apenas que quem estabelece um laço está perdido. O germe da corrupção entrou na sua alma."
(Joseph Conrad, citado por Greene e Steiner)
Os heróis da pureza são solitários. Aliás a pureza não é alcancável. Permanece um ideal. Mas a própria palavra interesse, que usualmente se contrapõe ao desinteresse da 'pureza', nos adverte para o que está em questão.
A origem da palavra vem do latim 'inter-essere' que quer dizer 'existir entre', estar com outros naquele intrincado de laços que, segundo Conrad, nos perde, afastando-nos do mundo dos 'puros' e da 'salvação.
Este exemplo é apenas um dos inumeráveis que revelam a natureza dualística da moral. Não há bem que não pressuponha um mal. Um deles está sempre na sombra, a um passo de erguer a sua cabeça de anjo ou de demónio.
É nesse sentido que, para mim, é verdadeira a palavra do evangelho, quando se diz que pecamos todos os dias, apesar dos nossos esforços.
Se perdêssemos toda a noção de pureza, a corrupção teria livre curso, e haveria um mundo de 'pernas para o ar'. Mas o que é natural é que não faltem ocasiões para nos deixarmos corromper por causa de um dos nossos 'laços'. A 'salvação' é quase um milagre, porque não há quem, no segredo do seu coração, esteja livre de 'pecado'.
Assim, a religião vencida nunca foi ultrapassada e está por detrás de todos os nossos juízos morais, mesmo quando não empregamos os termos consagrados de bem e de mal, perdição e salvação. Sem isso, em nome de quê combateríamos a corrupção?