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(José Ames) |
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Albert Einstein |
"Se a França tivesse um sistema de representação proporcional, a Frente não teria um mas 77 deputados no novo parlamento francês (...), e a esquerda não teria uma maioria parlamentar."
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André Gide |
"O seu mútuo amor é óbvio, mas é um amor sublimado, destituído de comunicação. É a vida de dois estranhos que nunca estão seguros de realmente se compreenderem um ao outro, de se conhecerem um ao outro, e que, no fundo dos seus corações, não têm qualquer comunicação."
(Roger Martin du Gard sobre André e Madeleine Gide, citado por Simon Leys)
Pouco depois da morte da sua mãe, Gide casa-se com a sua prima Madeleine Rondeaux. O matrimónio é, como se diz, 'platónico'. O escritor é 'descomplexadamente' homossexual, o que não o impede de ter a sua única descendência de outra mulher, casada com um amigo, o pintor belga Théo van Rysselberghe.
Martin du Gard foi uma das grandes e mais lúcidas amizades de André Gide. Penalizava-o, neste, a falta de controlo sobre as suas 'pulsões' mítico-sexuais, a sua pederastia e o sacrifício que o seu egoísmo impunha a Madeleine. Mas esta, apesar de tudo, foi considerada pelo réu como o único amor da sua vida. Na sua morte, dirá: "desde que 'Em' me deixou, perdi o gosto da vida e, a partir daí, deixo de manter um diário que só poderia reflectir angústia, desgraça e desespero." Mas sabemos que não foi a sua grande paixão.
A estranheza e a falta absoluta de comunicação, de que fala Martin du Gard, começa em 1917, depois da escapadela de Gide com o seu protegido Marc Allégret para Londres. Uma Madeleine humilhada queima todas as cartas de amor de André ao longo de trinta anos (perda, essa sim, inconsolável para o escritor). Por outro lado, o amigo do casal diz que "o seu mútuo amor é óbvio". O que é que aqui não comunica? O 'eterno adolescente' que existe em tantos homens nunca foi impedimento para o amor feminino. Afinal que 'conhecimento' mútuo pode haver no que é tido pelo mais incondicional dos amores: o da mãe?
Madeleine deixa-se vencer pelo demónio do fatalismo. Desinteressa-se da vida, apressa o envelhecimento. Nas palavras do próprio Gide, "Ela age continuamente como se eu já não a amasse e eu ajo com ela como se me amasse ainda... É por vezes terrivelmente doloroso."
Ambos se iludem, afinal, destruindo um equilíbrio precário. O amor é óbvio, mas como maldição.
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Cincinnatus |
"(...) “Eu tenho para falar dois fortes motivos. Um é a liberdade absoluta que a minha posição independentissima de homem sem pretensões literárias me dá para julgar desassombradamente, com justiça, com frieza, com boa-fé. Como não pretendo lugar algum, mesmo infimo, na brilhante falange das reputações contemporaneas, é por isso que, estando de fora, posso como ninguem avaliar a figura, a destreza e o garbo ainda dos mais luzidos chefes do glorioso esquadrão. Posso tambem falar livremente. (...) “A este primeiro motivo, que é um direito, uma faculdade só, acresce um outro, e mais grave e mais obrigatorio, porque é um dever, uma necessidade moral. É esta força desconhecida que nos leva muitas vezes, ainda contra a vontade, ainda contra o gosto, ainda contra o interesse, a erguer a voz pelo que julgamos a verdade, a erguer a mão pelo que acreditamos a justiça”
Antero de Quental ("Bom-senso e bom-gosto.”)
A leitura do primeiro motivo faz pensar. A forma como é enunciado dá a medida do preconceito. Antero sente-se mais independente (independentíssimo), pelo simples facto de se declarar livre de pretensões literárias, para julgar um outro homem de letras, António Feliciano de Castilho, a quem ele pergunta com uma insolência de muito mau gosto: "Sim, exmo. sr. Eu não sei se V. Ex.ª tem olhos para ver tudo isto.” (Castilho era cego, como se sabe).
É o mesmo preconceito que hoje parece favorecer os 'independentes' na política nacional, mesmo quando são apenas dissidentes (oportunistas ou não). Antero, que tem um lugar tão destacado na nossa literatura, não é propriamente 'independentíssimo', como o seria, por exemplo, um analfabeto, o qual, por outro lado, teria muito pouca qualificação para falar de literatura.
Embora se aceitem melhor as qualificações de um 'analfabeto' na política, profissão que, em democracia, deveria estar ao alcance de qualquer um, não é por isso que ele seria mais independente do que um político treinado e membro do 'glorioso esquadrão'.
A independência em relação à política é as mais das vezes indiferença ou voluntário alheamento. Os antigos romanos foram algumas vezes arrancar os seus chefes aos labores da terra que eles prezavam acima dos perigos e da confusão da cidade.
Se quisermos falar em independência no caso de Cincinnatus, por exemplo, não é como a qualidade que garante o melhor juízo e o mais informado, mas a saída de um círculo vicioso do pensamento. Este general romano voltou à vida militar, não por gosto, nem por ambição, mas porque considerava que era esse o seu dever de cidadão. Com isso, o curso da acção mudou, mas não a dependência dos motivos e das circunstâncias.
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Vassili Grossman |
Júlio César
"Na Bíblia, os massacres cifram-se geralmente por dezenas de milhar. A exterminação total, num único dia, sem excepção de sexo nem idade, duma cidade de quarenta mil habitantes não é, nos relatos de César, nada de extraordinário. Segundo Plutarco, Mário passeava-se pelas ruas de Roma seguido duma tropa de escravos que abatiam imediatamente quem quer que o saudasse sem que ele se dignasse responder."
"Réflexions sur la barbarie" (Simone Weil)
Simone critica duas opiniões erradas sobre a barbárie. A de que devido "a um demasiado poderio técnico ou a uma espécie de decadência moral" estaríamos a tornar-nos mais bárbaros, e a crença contrária numa "diminuição progressiva da barbárie na humanidade dita civilizada" , perigosa na medida em que "não se procura conjurar o que se crê estar em vias de extinção."
E o pensamento fundamental: "Não creio que se possam formar pensamentos claros sobre as relações humanas enquanto não se puser no centro a noção de força, como a noção de relação está no centro da matemática."
"(...) Eu proporia de bom grado este postulado: é-se sempre bárbaro em relação aos fracos."
Por isso Simone não considera o Estado nazi um exemplo da barbárie, mas de civilização, de baixa civilização, que ameaçava a independência de vários países da Europa.
Talvez seja instrutivo, a esta luz, ler o comportamento da super-potência e verificar como o fim da situação bipolar pode ser um perigo para uma civilização digna desse nome.
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"Trindade" de Dürer |
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(José Ames) |
"- Se as próprias enfermeiras estão paradas por falta de sistema!"
Assim se lamentava uma das empregadas da secretaria do meu posto de saúde diante dos utentes (neste caso, candidatos a utentes, porque não havia nenhum serviço que pudessem utilizar), velhos na maioria, resignados com os caprichos do 'sistema'.
Ninguém fala desta outra frente de ataque à 'saúde pública' que actua por embolização dos meios informáticos. Fez-se a organização depender dos computadores e agora deixa-se tudo entupir por falta de assistência ou de renovação do equipamento. Comparadas com isto, as clínicas privadas pertencem ao primeiro mundo, onde tudo é limpo, polido e conectado. As falhas do sistema são raras e depressa remediadas. A saúde privada sabe que só pode baixar os seus padrões de qualidade (e subir os seus lucros) quando o Estado tornar irreconhecível, para pior, evidentemente, o que já foi a saúde pública.
Há a luta contra o 'sistema' que é a de todo o esquerdista que se preza. O facto da Direita ter também na mira os seus sistemas não nos deve admirar. O que a Direita não tem é "o" Sistema, porque ele está só na cabeça das pessoas, ou, para os crentes, algures no futuro. Por isso ela está mais do lado de Pança do que do de Dom Quixote.
Simon Leys diz que o Cavaleiro acabou por converter o Escudeiro, o que redundaria na superioridade moral daquele.
Fora dos anti-romances de cavalaria, porém, a luta entre as duas culturas políticas é de sempre e, por princípio, não pode haver conversões.
"Numa entrevista completamente autocentrada, e construída sobre a imagem do líder decidido e inabalável ("nunca me fui abaixo"), aquilo que sobressai, como uma obsessão, é o action man que só caiu porque foi traído e só não salvou o país porque não o deixaram. Que Sócrates pense isso de si próprio, não chega a espantar - como canta Caetano, "Narciso acha feio o que não é espelho". O que espanta é ele continuar a ter uma vasta corte de fiéis, que certamente não o seguem por causa das suas ideias (quais são?), mas sim porque continuam fascinados com o seu estilo enérgico, desbocado e autoritário."
(João Miguel Tavares no 'Público')
O ódio a José Sócrates reparte-se bem entre a direita e a 'verdadeira' esquerda. Gostava de pôr ao contrário a questão levantada por JMT.
Não há dúvida que quaisquer que tenham sido os erros da sua governação, e qualquer que tenha sido a justificação da campanha que lhe foi incansavelmente movida, enquanto foi primeiro-ministro, outros vieram a seguir, com muita vontade de fazer, que tanto ou tão pouco fizeram que, em comparação, o Narciso de JMT merecia um juízo mais equitativo. É, pelo menos, o que diz o ditado: "Atrás de mim virá quem de mim bom fará."
Mas não. A 'ferida' continua aberta. E, me parece, que mais depressa Passos teria direito a uma segunda oportunidade do que Sócrates.
Ora, se não nos devemos deixar enganar pela arte do ex-primeiro-ministro (tudo parece pensado para produzir um efeito mediático, para, neste caso, 'reconstruir' uma imagem vandalizada), tampouco temos motivo para nos surpreendermos. Trata-se de legítima defesa (outros não esperariam por ter cumprido a sua 'travessia do deserto'). A Direita construiu nos media a horrenda quimera que é para tanta gente a figura de José Sócrates. Com "o seu estilo enérgico, desbocado e autoritário", não podíamos esperar que ele não espreitasse a sua oportunidade.
Mas voltemos ao fascínio, não dos que apoiam o homem, mas daqueles que querem fazer passar a imagem do político execrável que as sucessivas campanhas fizeram dele. Providencial culpado para os coveiros da nação, que, apesar de tudo o que aconteceu depois, mantêm a sua vela acesa a um demónio que 'veste Prada', 'playboy' e verdadeiro 'macho político', nas palavras do jornalista. É curioso que JMT pergunte pelas ideias de Sócrates. Mas a verdade é que nem com uma lanterna as encontraremos na política portuguesa (ou têm século e meio). José Sócrates, por desgraça, não é diferente, e está muito bem acompanhado por essa Europa fora.
Para concluir, talvez o entrevistado de Clara Ferreira Alves tenha acertado na 'mouche', quando disse: "Eu sou o chefe democrático que a direita sempre quis ter." Desdenham-no porque o querem comprar"?
Isso explicaria tambėm por que é que esse estilo causa tanta urticária a uma certa esquerda.
Mas, ao dizê-lo, é bem verdade que ficamos sem saber no que realmente pensa José Sócrates.
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Bernardo Bertolucci |
Lorenzo (Jacopo Antinori, com algo do olhar demoníaco do herói da 'Laranja Mecânica'), um adolescente de 14 anos em edipiana atracção pela mãe que se 'esconde' dos outros, mergulhado nos seus 'headphones', decide passar uma semana, alegadamente a fazer ski, refugiado na cave do prédio em que habita. Aí o vem a descobrir a meia-irmã drogada, Olívia (Tea Falco), com quem conhece uma grande intimidade. Prometem um ao outro mudar de vida, mas antes de se separarem e Lorenzo pôr termo às suas 'férias na neve', Olivia retoma, sem o irmão saber, o caminho da auto-destruição. Ele próprio regressa ao 'submarino' musical nas últimas imagens.
Não é um filme tão dependente como "La Luna" (1979) das premissas freudianas. Bertolucci amadureceu a ideia e a tese psicanalítica perde a sua necessidade. Talvez o célebre conflito de Édipo ocupe, ilegitimamente, um lugar real. Mas está em vez de outra coisa que não interessa muito conhecer do ponto de vista dramático. Que esse conflito tenha sido 'substituído' por um quase-incesto sororal mantém a história num dos temas preferidos do realizador. Com a grande vantagem, porém, de Bertolucci já não nos querer chocar.
A ideia psicanalítica é cada vez mais um 'operador' da narração, como o foi em 'Spellbound' de Hitchcock.
Se vier, por isso, a ser considerado daqui a alguns anos como um fime 'datado', sê-lo-á injustamente.
Marcel Proust
"Cada dia que passa dou menos valor à inteligência. Cada dia me dou mais conta de que é fora dela que o escritor pode retomar alguma coisa das nossas impressões passadas, quer dizer atingir algo dele mesmo e a única matéria da arte. O que a inteligência nos dá sob o nome do passado não tem nada a ver com ele."
"Contre Sainte-Beuve" (Project de préface) de Marcel Proust
E como poderia a vida passada ser objecto de dedução? Não, não, a memória do que vivemos só pode ser "libertada" por um novo olhar sobre esses objectos que, eventualmente, tiveram uma parte insignificante na emoção passada e que, precisamente por isso, foram esquecidos pelos interesses do presente (incluído o de oblívio), mas que conservam intacto um eco do passado.
Este método, utilizado por Proust na "Recherche" está muito mais próximo da psicanálise do que da arqueologia.
E também aqui o sentido que se dá à interpretação prevalece sobre a verdade.
"Depois de vários meses de aplicação a todo o instante, Julien tinha ainda o ar de pensar. O seu modo de mexer os olhos e de trazer a boca não anunciava a fé implícita e pronta para tudo crer e tudo sustentar, se preciso fosse pelo martírio. Era com raiva que Julien se via suplantado nesse género pelos camponeses mais grosseiros. Havia boas razões para que eles não tivessem o ar pensativo."
"Le Rouge et le Noir" (Stendhal)
Um homem de génio, mas sem vocação, no meio dos boçais seminaristas de Besançon, apostados em imitá-la, obedecendo "como um pau entre as mãos" do santo padre, para fugir à enxada e "obter um soberbo lugar, em que mandarão como um chefe, longe de qualquer controle."
O espírito jesuítico tem aqui a sua plena demonstração.
A hipocrisia continuada acaba por dar os seus frutos e moldar o interior pelo exterior.
E até o abade Pirard, no entanto suspeito de jansenismo, se surpreende com a dúvida do seu amigo Chélan sobre a sinceridade do seu protegido.
Para que é precisa a sinceridade? Basta a obediência.
Como grandes missionários que foram, os jesuítas tiveram que simplificar a psicologia.
"After Hours" (1985-Martin Scorcese)
A lógica do sonho conduz o herói de "After Hours", no brilhante exercício de Scorcese.
O mostrador do relógio vem repetidamente lembrar que se está a passar uma barreira, a partir da qual reina o insólito e todas as coincidências se tornam consistentes (como dizia Arendt, a propósito do totalitarismo).
É, de resto, a impossibilidade de estancar as coincidências que faz este jovem "word processor" perder o pé no hipertexto da realidade.
Ao contrário do pesadelo, a vida é um filme que pára se fecharmos os olhos e nos conseguirmos abstrair dele.
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http://www.galizacig.com |
"Para ele, falar era uma maneira de satisfazer um desejo violento e esgotante. No mesmo momento, o fenómeno da sua eloquência tornou-se para mim mais compreensível. Os oito ou dez últimos minutos dum discurso assemelhavam-se a um orgasmo de palavras."
Ernst Hanfstaeng (chefe de imprensa do partido nazi)
Hitler era o homem indicado para provocar a grande histeria das massas. As suas palavras e o tom em que as vociferava tinham o seu quê de narcótico e de hipnotizante.
A pitonisa na sua caverna vem-nos à ideia diante das imagens do grande comício de Nuremberga.
O encontro improvável entre a alma germânica e o 'insecto raro' que a devia inocular, como em Proust, no pátio dos Guermantes, foi fecundada a orquídea exótica, podia, de facto, não ter acontecido.
É outra versão da ideia do 'nariz de Cleópatra' referida por Pascal.
Não são as consequências lógicas que escrevem a história, mas a singularidade dos encontros e dos desencontros.
(Babilónia, segundo David Griffith)
O eunuco não pode regressar. O déspota precisa do sexo dos outros para estabelecer o seu poder sobre a vida e a morte. Que há de tão importante no corpo das mulheres e dos castrados para ter um significado tão profundamente político? Um poder sobre os homens nunca é tão definitivamente expresso como no harém. Pela castração, o corpo é marcado para sempre como objecto do senhor, e o sujeito torna-se um homem sem língua, isto é, sem poder de resposta. Quanto à mulher no palácio, é o número mesmo que a desvaloriza. Ela é verdadeiramente um castrado, menos por razões anatómicas, do que pelo pensamento do gineceu. A concubina entre as outras nem sequer é uma mulher. O harém é um jardim ginecológico. O que aí se perpetua como espectáculo é a confiscação do poder de fazer filhos.
Cambises pode mandar assassinar toda a sua prole. Ele próprio é a imagem da sociedade escrava. Nenhuma humanidade lhe é permitida. Nenhuma sabedoria. A liberdade pode dar-se a um escravo, a uma concubina refractária, mas eles não se tornam livres por isso. Como o eunuco, estão marcados. A castração é irreversível, como as metamorfoses do corpo e o envelhecimento. A tortura é uma “distorção” do mundo e do pensamento.
Portanto, o escravo é ainda escravo doutra maneira. Mas pode pensar-se, esquecer. A verdadeira oposição é interior. De nós para nós. A liberdade não é um estado. Não se concede. Não se conquista como um forte. O escravo sem senhor, somos todos quando a primeira luz do espírito nos faz erguer sobre a natureza. O corpo, eis a memória que é preciso pensar. Este depósito misterioso do universo que se transforma em sonho e realidade. Como é que ele nos faz pensar? Os outros estafetas do fogo sagrado, esperam o corpo para fecundá-lo. E de cada vez é preciso aprender a fugir do harém e a escapar às garras do animal triste.
Alguns eunucos chegaram ao mais alto poder e a sua vingança como que triunfou. Mas o corpo do eunuco tem todas as paixões. A própria genitalidade deve exprimir-se noutro lugar, sob outra forma. Mas é tão forte o preconceito e a imaginação que esse mutilado me parece menos do que um homem sem uma perna ou um maneta. Aqui não é o corpo que falta, mas o símbolo e a palavra.
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"Gravity" (2013, Alfonso Cuarón) |
A gravidade, que é o título do filme, é também a personagem principal?
Podemos pensar isso porque toda a história se passa no espaço a menos de um Portugal posto de pé. Depois, o 'milagroso' regresso à terra, à gravidade, é realçado pelo pisar dos pés (do tamanho do écrã) de Sandra Bullock e do erguer das colunas poderosas das suas pernas. Assim, como um herói, à Schwarznegger.
A música triunfal doutra 'guerra das estrelas' vem por acréscimo, é esperada, como aquele punhado de lama que agarra a escapada do 'espaço' ("I hate space"). Não nos livramos de cavalgadas de valquírias.
O final, de facto, arruína todas as belas cenas com o 'planeta azul' por fundo, ou o grande vazio silencioso onde se perdem os escafandros brancos.
O começo é uma saída para reparar as comunicações, com um diálogo bem humorado com Houston. Mas logo é lançado o alarme sobre uma tempestade de destroços de um satélite russo que se avizinha. A partir daí tudo corre mal. O próprio Matt (Clooney) se deixa perder no vórtice. Está-lhe destinado um regresso virtual para dar ânimo a Bullock.
No final de contas, mais um 'western', com o seu herói solitário. É o que os americanos sabem fazer melhor.
Ficam as cenas no espaço, a dança dos artefactos humanos que se escangalha, infalivelmente, a interpretação de Bullock e a fotografia.