terça-feira, 25 de junho de 2013

O FERROVIÁRIO DE ALAIN

(Michel Simon e Burt Lencaster)

 

"Alain emprestou um dia 'A República' de Platão a Cancouët (o ferroviário sindicalizado), que lhe disse: "Não compreendi nada, mas sinto-me completamente mudado!"

André Sernin ("Alain, un sage dans la cité")


Não sei se hei-de comparar este aparente absurdo com o modo paradoxal, mas observado universalmente, segundo o qual aprendem as crianças e os que chegam à linguagem, ou com tantos exemplos em que 'não se fica com a ideia', mas se sente a pujante beleza do que não podemos reproduzir por palavras nossas (esta é, pelo menos a forma mais exterior da compreensão).

As crianças repetem as palavras antes de compreenderem o seu significado e, evidentemente, antes de as poderem 'explicar' na sua própria linguagem.

O ferroviário de Alain não é capaz de dar uma ideia coerente da obra-prima grega. Falta-lhe, mais do que os rudimentos da filosofia culta, o vocabulário e a leitura na sua própria língua. Assim, se ficou impressionado, foi um pouco como o que acontece com o que começa a ouvir música 'erudita' e ela lhe agrada, sem ser capaz de a trautear sequer (o que é o caso do melómano mediano que é, no entanto, capaz de referir o que ouve à sua memória musical).

Mas há mais. Cancouët sente-se transformado pela grande esperança nele do filósofo. Repete-se aqui a história de Sócrates desviando o jovem escravo do seu caminho para demonstrar que o espírito da geometria está nele antes de qualquer distinção social.


 

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