quinta-feira, 16 de maio de 2013

VIDA DE BRYAN

 

Uma entrevista realizada pela BBC, em 1979, confrontava, por um lado, o bispo anglicano de Southwark, Stockwood, e um notório cristão e homem da rádio, Muggeridge, por outro, dois actores dos célebres Monty Python, Cleese e Palin, a propósito da última produção do grupo: "Life of Bryan", que encena, em tom de farsa, as cenas da vida de Cristo que culminam com a crucificação, em que um coro de 'vaudeville' canta "Always look on the bright side of life".

Os argumentos do lado religioso vão todos no sentido de condenar a brincadeira com o sagrado e com temas que não se deveriam prestar à farsa, pelo que significam de real sofrimento, para não falarmos do seu simbolismo para milhões de crentes. Além disso, aponta-se para o efeito corruptor no espírito de um 'jovem de catorze anos' que tomasse conhecimento do 'Deus incarnado' através daquela 'palhaçada'.

Surpreendentemente, os cómicos deixaram-se um pouco intimidar por esses argumentos, e quase só trouxeram em sua defesa a 'liberdade de escolha', como se se estivesse a falar de sabonetes. Cleese invoca o endoutrinamento forçado da sua juventude, esperando, ingenuamente, que as futuras gerações cheguem virgens de qualquer doutrina e - por que não? - de quaisquer princípios à idade de 'escolher em consciência' a sua religião ou o seu ateísmo. Claro que o filme não nos dá qualquer pista sobre as alternativas, porque o que interessa, muito no espírito dos anos setenta, é desmascarar o 'ópio do povo'.

Passados mais de trinta anos, o filme sobrevive melhor do que a defesa e o ataque que concitou na altura da sua estreia. Continua a fazer rir, não por apoucar a religião, mas por causa das inúmeras situações hilariantes que o talentoso grupo britânico soube valorizar.

Não é, evidentemente, estranho a este êxito o facto de se confrontar com um tema muito sério, como é o da crença de muitíssima gente, e com as 'alturas' do reino do sagrado. Estes desníveis sempre foram aproveitados para produzir um efeito semelhante, com, para alguns, uma chocante indiferença quanto ao 'espírito' do que assim se torna tema de comédia.

Se o verdadeiro espírito da religião estivesse assim ao alcance das 'brincadeiras' com a sua letra, não haveria diferença nenhuma entre o sagrado e o profano.

É a incapacidade de compreender esta nuance que regularmente suscita o ódio dos fanáticos contra uma caricatura ou um livro que mortalmente foi ofendido.

 

 

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