sábado, 4 de maio de 2013

O OVO DA SERPENTE

 

"O ovo da serpente" (1977-Ingmar Bergman)

"O ovo da serpente" na filmografia de Ingmar Bergman é um objecto estranho.

Neste retrato da Alemanha de 1923 não se fala de Deus nem do amor.

Vemo-nos na pele dum judeu (Rosenberg) em cabarets de fim-do-mundo, atravessando as ruas em que um vapor maléfico se evola da calçada e das entranhas dum cavalo esfaqueado e os eléctricos parecem barcas de Caronte espectrais, para que se corre na noite ou de que se salta para o mais próximo refúgio.

A natureza não vem trazer um momento de refrigério a este pesadelo concentracionário, na luz lívida das lâmpadas: nem um pedaço de céu, uma nuvem, ou uma árvore sequer, apenas as paredes, os muros em que arranham as unhas.

Nas catacumbas desta vasta ruína, prepara-se o advento do super-homem, expurgado de fraquezas e defeitos. A meticulosidade alemã reflecte-se nesses corredores de arquivos em que se registaram para a posteridade científica as experiências sobre a carne humana voluntária, porque nada há já que tenha valor, nem que seja impossível, quando um maço de cigarros custa alguns biliões de marcos.

No final, Hitler acaba por falhar o seu putsch de Munique. Mas pode-se ver já no ovo, através da membrana, os contornos do réptil.

Em vão procuraremos a sombra duma esperança nestes subterrâneos. Numa cena espantosa que revela a profundidade do abismo, o padre admite que Deus talvez já esteja demasiado longe e que só lhe resta a ele, seu ministro, pedir perdão por só ser capaz de indiferença e medo.

Atingiram-se aqui os limites do pessimismo. Mas os campos de concentração, a menos de vinte anos de distância, parecem justificá-lo.

E, no entanto...

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