sexta-feira, 24 de maio de 2013

UMA FALSA QUESTÃO

 

"Cobertura com tinta amarela de uma imagem do artista Hazul foi a gota de água para os 'writers' da cidade e gerou polémica nas redes sociais. Página de Rui Rio na Wikipédia foi alvo de alterações sarcásticas."

(Público de hoje)

 

Noutro local, o mesmo jornal evoca a 'eterna questão' do 'vandalismo ou arte?'

Os casos em que se pode falar de arte, infelizmente, não são muitos. Mas mesmos os maiores artistas (imaginemos um pintor da Renascença que trocasse os seus pincéis pelo aerosol e que aviasse encomendas que ninguém lhe pediu) não deviam sentir-se autorizados a impor os seus trabalhos na propriedade dos outros e, muito menos, no património público.

Vê-se pela reacção um tanto histérica à iniciativa do município, que parece ter só agora despertado da sua letargia, talvez embaraçado pela falsa questão do 'vandalismo ou arte', ou inibido pela reputação filistina de Rui Rio.

Qualquer cidadão tem o direito de recusar (esses pobres ignorantes do valor das 'obras-primas') que pintem as paredes da sua casa numa cor que não escolheu ou que as utilizem como tela para um desses desejos irreprimíveis de expressão, ou simplesmente, por causa da adrenalina que essa infracção pode provocar no auto-proclamado artista.

Já não pega a habitual denúncia do sentimento burguês de propriedade, porque a casa pode ser a de qualquer um (mesmo de um alentejano que gosta tanto de caiá-las). Mas vale a pena enfrentar o que é no fundo uma vaga de frustração artística. Quando não se pode criar um escândalo através dum estilo vanguardista, tenta-se confundir a indignação suscitada por um caso de ordem pública com a que seria provocada no 'bourgeois épaté' pela arte revolucionária.

Porque, na verdade, é preciso entender a degradação do ambiente urbano, com a invasão da fealdade e da decadência que a crise veio agravar, como um factor decisivo do nosso 'temperamento' e da 'cor' das nossas ideias.

A cidade, nos últimos anos, graças à proliferação selvagem das pichagens pretensamente expressivas ou, simplesmente autoritárias, de 'marcação do território', tornou-se em boa parte deprimente.

Nesse sentido, esta frustração da linguagem representada pelo fenómeno dos graffiti, é uma aliada da Crise. Ajuda a criar um ambiente de beco-sem-saída, muito semelhante, apesar da aparência, à depressão 'radiosa' provocada pelos grandes cartazes dos líderes norte-coreanos.

 

1 comentários:

Unknown disse...

"Para Hazul, a câmara deveria optar por outra solução, bem mais simples e barata: permitir que se pintassem os tijolos que emparedam as casas devolutas ou disponibilizar paredes para o efeito. “Qualquer destas opções não necessita de dinheiro, só de vontade”, remata. O "writer" reivindica ainda o apoio do município para aqueles que querem “embelezar o espaço público”, garantindo que “muitas paredes na cidade ficariam enriquecidas se fossem pintadas por um artista”."