terça-feira, 13 de novembro de 2007

FILOSOFIA








(Alain en salle de cours à Henri-IV)


Acabo de ler “Les souvenirs concernant Jules Lagneau”. Aí está o espírito do mestre passando para quem decifra os seus enigmas. Eu, que sigo Alain de livro em livro, recolho o pólen ciosamente, sempre pensando no estranho destino deste filósofo que para Maurois será dentro de cem anos o único vulto do seu século, tal Montaigne.

Mas duvido, porque não sei se a filosofia continuará a ser ensinada tanto tempo. Mesmo que o Estado se preocupe com o que cada vez mais é um simulacro da filosofia. E isso não é novo. Mas que toda a cultura se vá perdendo e o homem empobrecendo o seu pensamento é isso que é de temer. A ideia do progresso pode ser exaltada, o espírito técnico pode triunfar em todo os cantos do planeta, e ao mesmo tempo termos entrado num declínio imparável pela incapacidade de julgar essas pobres ideias.

Homens livres, guiados pelo espírito, há-de haver, amanhã como hoje, mas como poderão desarmar os bárbaros dos novos media? É possível falar a um auscultador? Por todo o lado o poder é adorado sob a forma dum botão ou dum pedal. Tornamo-nos maiores, mas pensamos menos. Somos talvez os novos dinossauros. Mas estou a falar do que ninguém pode saber. A filosofia foi e há-de ser sempre menos do que o grão de mostarda.

O espectáculo de milhões, de quase todos, condenados à mecânica social sem poder esperar do alimento mais rico do espírito senão migalhas e falsificações tem-se repetido ao longo dos tempos. Contudo, quem hoje não é um pouco platónico, mesmo sem saber? A pureza das ideias e o rigor do pensamento não podem ser espalhados porque o grande número assegura as funções vitais, e é o corpo e a memória dos pensadores. Por isso que mudam a demografia e os mass media? Há uma informação mais rica e mais generalizada, certamente, mas a antiga desigualdade do saber permanece inabalável. Porque não é uma questão de democracia nem de política.

Se a televisão passasse a vida e a obra dos filósofos, ninguém aprenderia a pensar por isso. mesmo um esforço colectivo para devolver ao livro o seu lugar eminente não asseguraria a igualdade do saber. É a moral dos melhores que pensa e verdadeiramente sabe. Um povo pode ser cartesiano só até um certo ponto. E ainda bem, porque assim como a juventude obriga a pensar tudo de novo, a grande massa julga pelos instrumentos e pela felicidade.

Mas nada disto será a não ser que os homens queiram. Aceitemos o progresso desigual na filosofia e a necessidade duma sabedoria popular que recolhe tudo com o tempo, sem ser igual nem se bastar a si mesma. E encontremos a passagem neste mundo electrónico e superficial que são as sociedades desenvolvidas para o que pode continuar a filosofia.

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