“Não é o reforço da corrente pro-life que caracteriza em profundidade a nossa época, é o alargamento social da ausência de consenso ético, expressão da própria era democrática desligada do culto de dever.”
Gilles Lipovetsky (“O crepúsculo do dever”)
A questão é muito interessante. Poderíamos dizer então que a principal fractura de consenso é esta (a questão do aborto), por decidir sobre a definição do próprio homem.
A posição da Igreja é coerente com o Génesis literal. O homem não é um processo, nem uma totalidade, é uma criatura com um nome, do princípio ao fim. Não há célula que já não faça parte do “intelligent design”, se quisermos.
Ora, essa ideia confronta-se com a onda avassaladora do racionalismo científico e dos seus produtos, a qual parece crescer a expensas do antropocentrismo (bíblico ou outro). Quanto mais amplos são os horizontes da ciência, menos se pode isolar o que seria uma essência do Homem.
E este é um resultado que, paradoxalmente, põe em relevo os limites deste outro pensamento.
Donde, no espírito de cada humano, o desequilíbrio existencial só possa ser vencido através dum dogma.
E é por isso que a despenalização do aborto (a preposição até, que normalmente se segue, é já de ordem metafísica) não é pacífica, embora, pareça que ninguém ache que as mulheres devam ser punidas...
E é legitimamente que se resiste à redução da questão ao direito (a prioridade nas rotundas também não é um direito).
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