"Pollice verso" (Jean-Louis Gérome) |
Depois de ver na televisão a inenarrável apoteose popular de uma autarca fugida à justiça, apetece fazer a seguinte pergunta: existirá um instinto popular seguro, que seria o guardião dos valores, e no fim de contas a “voz de Deus”?
E não é essa a justificação última da democracia?
Não era essa a ideia de Platão, mas ele era um aristocrata que escarnecia de qualquer tipo de sabedoria estatística.
Rousseau teme as paixões colectivas, que obnubilam o juízo, mas confiava num jogo de compensações dos instintos individuais e de grupo.
O que acontece é que hoje se acredita sobretudo no consenso sobre a instância soberana. É a regra sem o que a legitimidade iria nua como o rei da fábula.
Com a sagração popular, os políticos não têm ainda uma ideia de governo. Mesmo quando testam as suas ideias nas eleições, não podem estar certos de que no momento seguinte elas, ou a mesma política, deixem de ter cobertura, como os cheques. O que eles têm é o poder legitimado, até novo acto eleitoral.
A ideia de que o povo governa, sobretudo quando se perdeu a dimensão da ágora e se desaguou no espaço mediático global, é duma inocência que faz rir.
O povo ocupa aquele trono fantasmático da “Sombra do guerreiro” (Kagemusha), o filme de Kurosawa.
E às vezes perde a cabeça como qualquer mortal, como aconteceu agora na Alemanha, com o país paralisado entre o querer e o não querer.
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