sábado, 24 de outubro de 2015

LIBERTAÇÃO




"Contudo, ainda mais significativo que esta possibilidade – a de lidar com entidades que não podiam ser “vistas” pelo olho da mente – foi o facto de o novo instrumento mental, que, sob este aspecto, era ainda mais novo e mais importante que todos os instrumentos científicos que ajudou a inventar, ter aberto o caminho a uma forma inteiramente inédita de abordar e enfrentar a natureza na experimentação. Nessa experimentação, o homem realizou a sua recém-conquistada liberdade dos grilhões da experiência terrena; em vez de observar os fenómenos naturais tal como estes se lhe apresentavam, colocou a natureza sob as condições da sua própria mente, isto é, sob as condições decorrentes de um ponto de vista universal e astrofísico, um ponto de vista cósmico localizado fora da natureza.”
(in “A Condição Humana” de Hannah Arendt)

O que é que isto quer dizer?

Quando abandonamos a escala humana, graças ao poder dos nossos instrumentos, estamos a divergir vertiginosamente da linguagem natural e do pensamento que nela tem origem e em que se fundamenta a própria ética.

É o famoso desfasamento entre o poder e o saber, este cada vez mais confundido com a informação (os dados que se obtêm qualquer que seja o ponto de vista) e mais se enredando na esfera daquele. Ou seja, tudo parece reforçar a prótese através da qual agimos e pensamos, e é quase só memória o longínquo bater do coração.

Se há uma libertação, é em relação ao Homem. Mas quem se liberta?

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