segunda-feira, 13 de abril de 2015

O PATRÃO CONDESCENDENTE

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e0/Tuscum_des_Plinius_Schninkel_AA2.jpg

"(...) e desfruto do seu encanto singular, sobretudo no tempo das Saturnais, quando o resto da casa vibra com a licença dos gritos de alegria, autorizados nesses dias. Assim já não sou um obstáculo aos divertimentos dos meus escravos, como eles o não são aos meus estudos."

Plínio, o Jovem ("Carta a Gallus")

Num apartado da sua villa do Laurentino, o 'dominus' recolhe-se,  entregue aos seus hábitos literários, a que hoje ninguém chamaria estudos, porque passaram a ser 'hobbies', modalidades do lazer, coisa sem pretensões à 'imortalidade' ao jeito dos romanos. Os apartamentos principais são deixados ao pessoal doméstico para, nos poucos dias reservados para isso, 'brincarem' aos patrões. Plínio refere-se a eles, em toda a inocência, como os seus escravos. Precisamente no momento em que reina o carnaval entre a domesticidade, o 'dominus' estuda com toda a seriedade possível, mas não sem benevolência para com a licença protegida pelos deuses.

Os dias que hoje dedicamos às minorias, aos mortos ou às causas esquecidas (esquecidas tanto mais quanto as 'compensamos' com o 'seu' dia) vêm certamente desta tradição das saturnais e do 'carne vale'. Mas não têm como esta o selo da divindade, pelo que são pouco eficazes. A ocasional  inversão dos poderes na linguagem é uma liberdade como outras. Ninguém reivindica o dia da sua 'espécie' para aliviar a pressão de uma condição eterna.

Uma das coisas que vieram subverter a boa consciência destes costumes foi, sem dúvida, a admiração pelos Gregos. Um escravo que conhecia o seu Homero melhor do que o senhor, o qual, no entanto, afirmava muito da sua superioridade justamente nos 'estudos', punha em causa o orgulho patrício.

Mas esta conquista dos vencedores latinos pelos seus escravos e 'libertos' é conhecida, e ilustra bem a dialéctica hegeliana do senhor e do escravo.


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