sexta-feira, 17 de abril de 2015

A FALTA DE LUZES

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"Mas a maioria decidiu assim. Contam-se os votos, não se pesam; não se pode esperar melhor destas assembleias públicas em que a mais chocante desigualdade está na própria igualdade, pois que, sem terem as mesmas luzes, todos os membros têm a mesma autoridade."

"Carta a Arrius" (Plínio, o Jovem)

Seria um escândalo para a razão que a democracia fosse isto. Na verdade,  as decisões de uma assembleia moderna com verdadeiro poder, não resultam de uma soma 'comicieira', nem de um simples plesbicito. Tal como Lenine inventou o 'centralismo democrático' para o voto espontâneo e quase sempre 'mal informado' ser controlado pelo comité central.

Hoje, os chamados 'lobbies' e a mancebia entre cargos políticos e interesses económicos, a partidarização de toda a vida política e a crescente indiferença dos cidadãos garantem que as decisões ao mais alto nível não são 'democráticas'. Quando muito mantém-se a designação porque a 'árvore democrática' não  pode gerar frutos de outra árvore.

Mas tudo isso depende de um tácito consenso inter-classista, cada vez menos genuíno à medida que os cidadãos se afastam da política.

Há, porém, uma limitação à democracia que pode ser defendida com motivos democráticos, que é a daqueles que, como James Madison (1751/1836), autor da "Bill of Rights", vêem na constituição o cerne da democracia, com a consequência paradoxal que o órgão que a legislou (embora sob a forma 'constituinte') ter de se lhe subordinar em todas as futuras decisões. Um texto minimalista seria, pois, necessário para não paralisar a actividade política. O problema é que a constituição não anda longe de representar o que Marx chamava os interesses da classe dominante (mas é claro que os 'integralistas' pretendem eliminar do texto toda a ambiguidade 'republicana'. Segundo Fareed Zakaria, o que diferencia os governos ocidentais dos do resto do mundo, não é a democracia, mas o constitucionalismo liberal (Peter Mair).

Plínio não encontraria, assim, tantas razões para o seu lamento. Apesar de haver um ideal de democracia que é claramente utópico, o regime que hoje tem o nome tradicional tem o mérito de dividir o poder, o que pode não chegar para dizer que o povo chegou ao poder, mas que nos evita os piores males da política...



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