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(José Ames) |
Significará isso que o chamado pós-moderno já ultrapassou (ou considera ultrapassado) o movimento da crítica? Dir-se-ia, de facto, que a 'modernidade' já não nos inspira a ideia de um novo estádio no progresso da humanidade. Nenhuma aspiração a um ideal de justiça no 'fim da História', ou no final dos tempos...
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Homero |
Por que é que uma criatura frágil, embora sob uma aparência tranquila (a ansiedade trai o principiante) e com o domínio da palavra, haveria de querer tornar-se indispensável para o meu acesso à verdade?
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William Yeats |
"The coming of wisdom with time: though leaves are many, the root is one, through all the lying days of my youth, I swayed my leaves and flowers in the sun; now I may wither into the truth."
(William Yeats)
"Com a idade, o surgir da sabedoria: embora as folhas sejam muitas, a raiz é uma; através dos ilusivos dias da minha juventude balanceei as minhas folhas e flores ao sol; agora posso mirrar-me na verdade." (perdoe-se-me a infeliz tradução)
Como é antiga esta ideia de que a vida é um longo desvelar da morte, como se tudo nos enganasse na juventude e nos dias de acção! Mas parece que assim é, qualquer que seja a perspectiva. Nunca diremos sem sofismas que progredimos para o fim. Deixamos enferrujar as ferramentas ou abandonamos a tribuna quando começávamos a compreendê-las. De um momento para o outro, o mundo novo é um desafio que já não é para as nossas forças.
Mas o pôr-do-sol é mais verdadeiro do que a alvorada? Claro que não. Dizia Hegel que a coruja de Minerva levanta voo ao entardecer. Mas as ilusões são-nos tão necessárias que não podem ser simples enganos. Digamos que a verdadeira sabedoria, se voltasse a conhecer a 'inocência', queria começar precisamente por isso a que Yeats chama de "lying days".
E talvez voltasse a refazer a biblioteca, coisa que Cristo (Pessoa) não teria deixado de fazer se chegasse a velho.
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They live (John Carpenter) |
"Aquele que apenas lê jornais e, quando muito, livros de autores contemporâneos, assemelha-se a um míope com muitas dioptrias e com vergonha de usar óculos."
(Albert Einstein, citado por Johannes Wickert)
Se a Teoria da Relatividade (que ajudou a criar o mundo moderno) envelhecesse tanto como esta outra ideia do grande cientista sobre a leitura, estaríamos, de facto, cientificamente muito avançados. Mas não. Ainda mal se tiraram algumas consequências da teoria e já o mundo em que Einstein viveu e o que se lhe seguiu parecem desaparecer pelo ralo do esquecimento.
Era certo ainda há alguns anos que o homem que não estudasse o passado era uma espécie de bárbaro. Porque mesmo as mais populares ideias científicas (ou aparentadas) só se compreendem historicamente, isto é, através dos erros em que a humanidade teve de incorrer para as aperfeiçoar e desenvolver. O que instrui de facto é o problema enquanto problema da forma humana.
Como diz Einstein, a miopia mais incapacitante é a sentença dos que só querem dar importância ao presente. É assim na literatura, nas artes e nas ciências, e sempre foi.
Mas vivemos hoje tempos em que essa miopia e esse desenraizamento se espalham como um nevoeiro da razão satisfeita consigo própria.
O especialista desenvolve a sua modalidade para lá de qualquer limite (desde que seja convertível em técnica). Assim chegámos às armas de destruição massiça. Voltámos à era dos titãs, da força desencadeada e sem governo (quando muito procuram limitar-se os danos colaterais).
E já podemos contar uma história destes dias. Um jovem nado e criado numa das mais civilizadas cidades do planeta, como Londres, atravessa os novos santuários do consumismo e sente que a sua miopia se levantou de repente. O resto podia ser um filme de Jonh Carpenter, ou uma notícia de jornal sobre o desafiante recrutamento do EIIS.
Termino com uma citação de Jean Rostand: "A ciência faz de nós deuses, antes mesmo que nós mereçamos ser homens."