segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A INOCÊNCIA DA MORTE


"O Sétimo Selo"


"A vida que se pretende 'plenamente vivida' é na verdade absurda como um verso sem rima, falta-lhe qualquer coisa ao fim, ao verdadeiro fim, quer dizer, à morte."

"L'Homme Sans Qualités" (Robert Musil)

Desde o antigo preceito da vida como 'uma preparação para a morte', o qual, de facto, supõe uma outra vida, para além da morte que, essa, seria a verdadeira vida, a consciência, ou a culpa, são chamadas a verificar e a validar a existência de grande parte dos mortais.

Daí que o 'plenamente' faça sentido à luz de uma precariedade e temporalidade fundamentais. É de supor que aos imortais, em qualquer Olimpo, nunca lhes passe pela cabeça viver de uma maneira ou de outra, incompleta ou plenamente, pela simples razão de que a sua 'vida' não é a vida.

Realmente, a morte também está implícita nessa ambição de plenitude. Mas aqueles, a quem foi concedida uma espécie de graça, são incapazes de a considerar como a caveira no 'scriptorium' de S. Jerónimo, ou, na versão 'laica', a que Hamlet segura um momento nas suas mãos para invocar a brevidade da vida e o mistério da sua metamorfose. Não pensam a morte porque ela não pode ser pensada. A morte dos outros é outra coisa muito distinta. E talvez seja o lugar onde nascem os espíritos e o Espírito. O monumento e a religião começaram aí.

Se não se confundir a morte e o teatro da morte, a 'vida em plenitude' é também a inocência da morte.

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