quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O CLIQUE DA TEIA




"A teia, algures no exterior estendida, no céu da abstracção, tal como ele a recordava, devia ter-se cerrado subitamente com uma fabulosa prontidão. Ela era de facto qualquer coisa de concreto, de real, uma cabeça debatia-se dentro dela, com o pescoço apertado."

"Les désarrois de l'élève Törless" (Robert Musil)

Este súbito ataque da abstracção é o que parece incrível, pois todos temos a tendência para exaltar o valor do concreto, do real, do "pão, pão, queijo, queijo".

Contudo, Musil, nesta passagem, não nos diz mais do que o que está diante dos nossos olhos, se quisermos ver.

A sofística e os desvios gongóricos da escolástica, tanto como a filosofia, prepararam a artificialização do mundo pela ciência e pela técnica.

Não há nada, por mais afastado do senso comum e da "natureza humana" que não se possa conceber e, desde que encontre as condições de possibilidade lógica, não se possa também pôr a funcionar. Se tudo isso é real, é outra questão.

Törless vislumbra aquela verdade quando percebe, por exemplo, que um conceito tão inatingível como o de infinito pode ter um valor prático e confundir-se com ele.

Ele via uma extensão dessa lei no facto da fantasia orientalista dum dos seus companheiros de troika ter encontrado uma vítima real, em Basini.

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