quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O PERFEITO E O TOSCO

Detalhe de "O Juízo Final" de Miguel Ângelo




Stendhal, referindo-se a um quadro de Rafael na Galeria Borghese ('A descida da cruz'), diz que é da sua segunda maneira, "antes que ele tivesse visto Roma e Miguel Ângelo." (In "Promenades dans Rome")

Só os frescos da Capela Sixtina constituíam uma demonstração impressionante de que a pintura não acabava no classicismo, de que era possível encontrar outra harmonia e, sobretudo, um outro corpo, mais anatómico e mais terrestre, mas ainda o corpo dos titãs.

Nenhuma figura por si só podia consagrar uma estética. A Gioconda foi a súmula de todo o classicismo e a obsessão duma vida. José Augusto França disse uma vez, falando de "Shane", que era o 'western perfeito'. E a velha maneira morreu com ele. Depois tivemos de tudo, até à paródia pura e simples. E Kubrick que fez o 'western' absoluto, a que só falta a 'prova ontológica' da sua existência, porque ele não realizou nenhum.

Rafael, perante o génio indómito do autor do 'Moisés' de San Pietro in Vincoli, deve ter sentido quanto a sua maestria o limitava para entrar no mundo novo de Miguel Ângelo, o mundo do tosco que desdenha a perfeição.

E não viveu o suficiente para sabermos se recolheria os pincéis ou se 'sobreviveria a si mesmo'.

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