quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A JUSTIÇA ORDINÁRIA




"Esta aventura, que já não tinha muito a ver com as boas disposições da côrte para a paz, (...) junto à aparição dum arauto, que surgia como saído duma máquina, no momento oportuno, indiciava, do modo mais visível possível um desígnio formado. Todo o Parlamento o via, como toda a gente; mas estava na natureza deste Parlamento deixar-se cegar na prática, pois está tão acostumado, pelas regras da justiça ordinária, a prender-se às formalidades, que nas extraordinárias nunca é capaz de as separar da substância."


"Mémoires" (Cardinal de Retz)



Quantos exemplos na nossa história recente desta incapacidade das organizações políticas de 'separar o trigo do joio'!

Às vezes, como aconteceu com a espécie de ultimato de Sócrates, aquando do PEC IV, não houve, na oposição, quem desse prioridade à 'substância' e, com isso, abriu-se a 'caixa de Pandora'. Como no caso do Parlamento 'frondeur' de que fala Retz, estava-se mesmo a ver.

A 'cegueira' não é, evidentemente, dos indivíduos que pensam pela sua cabeça, mas do 'sistema' dos partidos. O co-adjutor de Paris, não dispondo ainda deste conceito, chamava-lhe 'justiça ordinária' e apego às formalidades.

Quando Marx escreveu sobre aquilo a que ele chamou de 'democracia burguesa', não aplicou a esta nem aos seus órgãos a ideia de um sistema. Estreou-a na economia política, aplicada ao capitalismo.

Os seus herdeiros na 'praxis' histórica estavam, de facto, mais cegos em relação à burocracia soviética do que Retz, no que diz respeito ao Parlamento de Paris do século dezassete.


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