quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O FILÓSOFO DA FLORESTA NEGRA


Martin Heidegger (1889-1976)

UMA NOITE DE INVERNO

Quando a neve se encosta à janela,
O sino da noite toca vagaroso.
A mesa está aprontada para muitos
E o lar é bem governado.
Algum caminhante
Chega ao portão por sendas tenebrosas.
A árvore da graça resplandecente floresce
Da seiva fresca da terra.
O caminhante entra silencioso;
A dor empederniu o umbral.
Quando reluzem em clareza pura
Em cima da mesa pão e vinho.

Georg Trakl (tradução de Adriana Coman)

Heidegger, que se encontrou, há alguns anos, no centro duma polémica indecidível a propósito do seu passado, para muitos, é o filósofo capital do século XX.

Gostaria de compreender como é que o seu pensamento que, no fundo, defende a passividade e a escuta (o deixar aparecer) face à palavra e à linguagem o predispuseram para cair num logro tão grosseiro como foi o de se ter deixado seduzir pela imagem dum falso Prometeu.

Em vão procuraremos um sistema em Heidegger ou conceitos como os dos filósofos que o antecederam. Porque é a poesia e a língua alemã que quase se conceptualizam. Daí as nuances dum pensamento tão subtil como a interpretação dum verso de Hölderlin ou de Georg Trakl, mas que nos põe diante do mesmo dilema que a psicanálise: tudo faz sentido, mas estaremos ainda dentro da tradição do saber?

Há aqui uma espécie de fatalismo inspirado, avesso à Razão (que nos deu o mundo da técnica), mas fraco ante tudo o que se reclame do "transcendente na imanencia", que se proclame oriundo da raiz de tudo o que é.

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