segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

O CINEMA DO INSTANTE


Roland Barthes

"No haïku, a limitação da linguagem é o objecto dum cuidado que é para nós inconcebível, porque não se trata de ser conciso (quer dizer de encurtar o significante sem diminuir a densidade do significado), mas pelo contrário de agir sobre a raiz mesma do sentido, para conseguir que esse sentido não se difunda, não se interiorize, não se torne implícito, não descole, não divague no infinito das metáforas, nas esferas do símbolo. A brevidade do haïku não é formal; o haïku não é um pensamento rico reduzido a uma forma breve, mas um acontecimento breve que encontra dum golpe a sua forma justa."

"L'Empire des Signes" (Roland Barthes)


A forma justa é uma espécie de graça. Não pode ser obtida pelo raciocínio, nem por eliminação de erros. Compromete, pois, o corpo e aquilo a que chamamos, à falta de melhor, intuição.

O haïku seria assim o nome, se o único das vivências pudesse ter um nome.

Nos filmes de Ozu, por exemplo, parece haver algumas coisas supérfluas, que se repetem sem uma necessidade evidente. Uma rua, a linha férrea, o balcão dum bar. São como que a mão esquerda do tema principal, um baixo confiado às cordas, mas sem demasiada gravidade.

Por muito ascético que seja este cinema, o formalismo está em todo o lado.

E o haïku é o contrário disso, como diz Barthes.

Ou, por outras palavras, é uma forma que só se usa uma vez, no instante.

E então o haïku estaria mais perto da fotografia do que do cinema. É o cinema do instante.

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