sexta-feira, 11 de março de 2016

PILOTOS E POLÍTICOS

"The Sea Wolf" (1941, Michael Curtiz)



"É muito natural pensar que o homem que, doente, mais depressa se confia aos cuidados de médicos especializados do que aos seus pastores, não tem nenhuma razão, quando está de boa saúde, para se deixar tratar por tagarelas muito pior classificados do que pastores, como é o caso nos seus negócios públicos; é por isso que os jovens, que se prendem ao essencial, começam por julgar secundário tudo aquilo que, no mundo, não é nem belo, nem verdadeiro, nem bom, por exemplo o Ministério das Finanças ou, justamente, um debate parlamentar. Pelo menos, outrora, eles eram assim (...)

"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)

O exemplo é socrático e lembra-nos o argumento do piloto (numa tempestade, confiamos no piloto ou no primeiro que aparece?).

Mas assim como há médicos especializados, há burocratas e políticos que se movem 'como peixe na água' no domínio dos 'negócios públicos'. É também uma especialização, mas cuja utilidade é muito mais discutível do que aquela dos que cuidam de nós na doença.

Vamos discutir a necessidade de um Draghi à frente do BCE? Queremos, em cima dos defeitos da União, um órgão central acéfalo, ou governado pelo 'twitter' (que nos serve aqui para caricaturar uma democracia 'instantânea').

É verdade, como diz o autor austríaco, que os políticos sabem menos do que os pastores em...pastorícia. E, indo mais longe, sabem menos do que alguns pastores daquilo que realmente importa à vida das pessoas. Mas se fossem realmente sábios, só constrangidos aceitariam um cargo público, como já aconteceu na Antiguidade. Mas ninguém os escolhe por brilharem na sapiência antiga. Se muitos já estão convencidos de que a política é, em primeiro lugar, um espectáculo da reprodução da própria política, o que importa é que 'representem' bem. Alguns ex-actores de Hollywood, como se sabe, chegaram à cúspide do poder máximo, em sincronia com um eleitorado crente na magia do cinema.

Quanto à juventude de hoje, parece-me tão generosa e tão superficial como a do passado. É costume empregar-se aquele adjectivo porque se supõe que os jovens, em princípio, estão menos comprometidos com os interesses instalados e por isso se julgam mais livres. E acrescenta-se a superficialidade porque é própria de quem  tem de aprender tudo desde o princípio (é preciso sempre subir aos ombros dos gigantes). Não é um defeito moral, nem coisa que se pareça; é uma condição.

As categorias platónicas do Bem, do Belo e do Verdadeiro, na sua pureza e simplicidade, parecem-lhes mais destinadas do que a qualquer outra idade. 



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