quarta-feira, 2 de março de 2016

O FIM DO HOMEM SELVAGEM




"As tribos índias, as paisagens que o jovem Lévi-Strauss descobriu, não eram edénicas, nem "primitivas" no sentido preciso da palavra. Encarnavam uma longa crónica de infecção, devastação ecológica e deslocação forçada."

(George Steiner)

A figura do 'povo primitivo', sem dúvida, cumpriu o seu papel no nosso 'imaginário' de 'civilizados'. Pôde inspirar, por exemplo, a eficaz ingenuidade de um Rousseau, e moderar o nosso afastamento de um tempo original, o que quer que ele fosse.

Como Hannah Arendt explicou, o mundo dos romanos valorizava-se em direcção à data da fundação da sua cidade. A contagem do tempo, nesse sentido, correspondia a uma degradação (ou entropia, diríamos hoje) descrita pelas três idades, a do ouro, a da prata e a do bronze. E, ao mesmo tempo, justificava os privilégios das famílias patrícias mais antigas.

Se agora nos 'caiem as escamas dos olhos' e os relatos da antropologia entram na ordem natural das coisas, é porque podemos dispensar esse 'confronto' com o selvagem. Não que os mitos tenham desaparecido e nos tenhamos tornado mais racionais. Mas porque a nova mitologia tem outro conteúdo e se transmite de forma instantânea e global.

A imagem, mais 'verdadeira', de tribos em decadência física e em 'deslocação forçada' já não acusa a nossa consciência de 'conquistadores' e colonizadores. A História, desde Hegel, tornou-se uma espécie de Sujeito que nos iliba de sentimentos desse género.

De uma penada, livrámo-nos também da idealização compensatória das vítimas.

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