terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

UMA ENTREVISTA

(Agustina Bessa-Luís)


CFA: Deus? Deuses? 
AB-L: Deus. O equilíbrio perfeito do cosmos. Acredito nisso, e numa sobrevivência. Vivo rodeada de fantasmas. 
CFA: Isso não contradiz a sua racionalidade? 
AB-L: Não. É também uma forma de racionalidade. Para certas pessoas é mais fácil acreditar que não acreditar."

(Entrevista de Clara Ferreira Alves a Agustina Bessa-Luís)

Esta entrevista já tem uns anos e não é possível hoje voltar a interrogar a sibila. Mas aqui, a grande escritora deixa-nos uma ponta do seu novelo ariânico.

Como é que a racionalidade se liga tão intimamente à crença, tão longe de ser o seu oposto, como pretende uma certa tradição filosófica e o próprio senso comum? Não se censura aquele que se deixou vencer pelas preferências pessoais na hora de julgar?

Esse 'erro' não se pode atribuir a Descartes, o pai do racionalismo moderno. Basta ler o seu 'Tratado das Paixões' para ficarmos a saber que a razão ganha mais no bom uso das paixões do que no combate a elas, sabedoria que nos legaram os estóicos.

É razoável, pois, que esta 'política' pressuponha, não uma racionalidade separada, mas uma razão consubstancial à 'inteligência do corpo' (Agustina).

A dificuldade em não acreditar vem de não ser 'natural' este desentranhar da razão e de esta não poder encontrar em si o seu próprio fundamento.

Começamos por acreditar que a razão não nos engana (o que Descartes dizia de Deus). Depois nas provas dessa razão que trouxeram ordem ao caos. Mas, no entanto, devemos também acreditar que a razão não se esgota na ciência e na técnica, nem no ordenamento do caos.

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