quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A ESPERA





"Ele era sem qualquer dúvida um homem crente, mas que não cria em nada; a sua devoção à ciência nem sequer tinha conseguido fazê-lo esquecer que a beleza e a bondade dos homens provêm daquilo em que eles crêem, e não daquilo que sabem."
"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)

O que é um crente que não crê em nada? Falamos aqui da força dessa crença, e Ulrich teria uma crença demasiado débil para influenciar a sua vida? Ou deveríamos considerá-lo um homem mais propenso à crença do que às provas da ciência? De qualquer modo, fora do 'saber' e do conhecimento, nenhuma espécie de transcendência fora suficientemente viva para não preferir uma razão limitada à partida.

Portanto, à falta de melhor, é um crente 'em esperança' (como Stendhal dizia de Mathilde de La Mole, na célebre análise de Alain).

Sirvo-me ainda desta personagem do 'Le Rouge et le Noir' para dizer ainda o seguinte: aquele que espera, sem ter encontrado ainda, ou mesmo que não venha  a encontrar, é inconfundivelmente crente dessa esperança. É a falta de objecto dessa crença, como é o caso, no fundo, de toda a crença no futuro que justifica o veredicto de Musil sobre a personagem.




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