segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A SURDEZ ESTRATÉGICA


(T.S. Eliot)

"Se o século XVIII tivesse admirado a poesia mais antiga como nós a admiramos, disso teria resultado uma babel: o século XVIII, ou seja aquilo que conhecemos por tal, não teria existido. Os escritores não teriam possuído a convicção necessária para aperfeiçoar aqueles géneros de poesia que efectivamente conduziram à perfeição. A surdez de Johnson para certos tipos de melodia era a condição necessária para aguçar a sua sensibilidade para uma outra espécie de valores verbais."
(T.S. Eliot)

A situação é conhecida, as nossas escolhas supõem um juízo de valor, quer ele seja estético ou moral, mas na realidade actualizam algo de mais profundo que tem a ver com uma espécie de instinto, o de 'perseverar no seu ser', como dizia Spinoza.

Teríamos, talvez, de considerar a 'surdez' de Johnson, e a dos escritores do século XVIII de que fala Eliot, não como um verdadeiro juízo, mas como a estratégia de afirmação de uma nova fé.

O exemplo que melhor serve esta ideia do poeta anglo-americano é o da admiração dos Romanos pela arte dos Gregos que não resultou numa babel, mas no atrofiamento de uma arte própria.

De resto, esta é uma pergunta retórica da parte de qualquer novo artista ou escritor, em face do legado dos que o antecederam: como, por exemplo, escrever em inglês depois de Shakespeare?

De uma maneira ou de outra, podemos imaginar uma nova 'surdez' para cada época, a fim de evitar o desencorajamento dos novos talentos.

A força da admiração tem de ser menor do que a da auto-estima (ou da confiança em si-próprio), para não secar a tinta.


0 comentários: