quinta-feira, 2 de julho de 2015

CLAIRE E A PARCERIA

"Acontecia algumas vezes que um diálogo em que ambos só falavam dos seus sentimentos os fizesse esquecer de os ter."

"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)

Trata-se do diálogo entre Ulrich e a sua irmã Ágata. A atenção do sujeito sobre si próprio só pode inibir a espontaneidade. É o paradoxo do observador que não pode 'saltar sobre a sua própria sombra'. À força de se analisarem colocam uma barreira no auto-conhecimento, e o subentendido incestuoso torna-se uma linguagem inesgotável e assimptótica.

O último episódio da 3a. temporada de "House of Cards" parece uma demonstração desta ideia. A parceria para o assalto ao poder do casal Underwood mantém um diálogo 'focado', em prejuízo de qualquer vida pessoal por parte de Francis ou de Claire. A autenticidade dos sentimentos não é posta em causa até que um escritor é contratado para fazer uma biografia destinada à campanha do presidente. Mas o material é um tal desafio para um autor em esperança ('en espoir', como dizia Stendhal), que o escritor abandona a encomenda para apresentar o verdadeiro retrato de uma 'parceria' diabólica.

Registe-se que a defesa de Claire para a separação (depois de se ter visto ao espelho, no livro em preparação) é ainda uma reivindicação de poder. Parece uma fraqueza do argumento, mas é realmente lógica. Condiz com o seu 'desaparecimento' como pessoa no maquiavelismo do casal.

 

 

 

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