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Bairro Alto |
Flavio Josefo: "Antiguidades judaicas"
Flávio Josefo (século I), autor da "História da Guerra Judaica", e defensor da província da Galileia contra o exército romano, conseguiu obter o perdão de Vespasiano, anunciando-lhe a queda de Nero e a sua própria investidura.
"Ele não ignorava, também, que Nero desprezava este Vespasiano, muito mais velho que tinha o hábito de dormir em cada uma das suas sessões de canto." ("Masse et Puissance")
Canetti acrescenta que Josefo terá ele próprio acreditado na mensagem que tinha de transmitir a Vespasiano da parte de Deus. "Ele tinha a profecia no sangue.
Apesar da sua coragem militar e do patriotismo demonstrado na guerra dos Hebreus, nenhum judeu terá deixado de suspeitar o historiador de oportunismo. Profetizou para salvar a vida.
Num caso destes, a reputação depende de outra oportunidade para estabelecer o "verdadeiro" sentido dum acto que pela sua natureza não podia ter testemunhas.
E se este pessimismo resultasse, não de uma inflação do valor das palavras, mais notória hoje ainda do que no tempo do império Austro-Húngaro, da Cacolândia de Musil, quando a 'publicidade', em todas as suas formas, constrói um mundo paralelo numa linguagem destituída de sentido, mas se, em vez disso, ele fosse a consequência de uma desqualificação da linguagem mesma? Uma espécie de cultura do anti-Verbo, um culto do anti-Livro?
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Agustina Bessa-Luís |
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Jürgen Habermas |
O conceito biológico de defesa (contra a agressão exterior, mas também contra o próprio dogmatismo, aqui entendido como um processo autístico semelhante ao cancro) aplicado às ciências é novo, parece-me.
"A falácia do historiador: atribuir as nossas próprias concepções da história e do método histórico a um autor para quem estas concepções são inteiramente desconhecidas e dificilmente compreensíveis."
(Ernst Cassirer, "The myth of the State")
Não podemos recriar a experiência única. Não podemos 'compreendê-la'. Podemos interpretá-la para os nossos próprios fins. No melhor dos casos, sabemos que a nossa intuição é verdadeira, porque 'encarnamos' a pessoa ou pessoas envolvidas, não segundo a vida das pessoas elas próprias. É uma espécie de verdade mediúnica. A verdade dos factos é de outra natureza. É do domínio da organização social.
Jesus disse-o quando mandou devolver a César o que lhe é devido. É a verdade dos factos, da economia, num contexto preciso de poder, que condena o Syriza a vitórias semânticas para não perder a face.
Teresa de Sousa ("O Público") lembra: "Há menos de um ano (o Syriza) era contra a União Europeia, contra o euro, contra a NATO e contra o capitalismo. Para nossa tranquilidade é bom evitar a leitura de alguns discursos recentes de Alexis Tsipras ou do seu mediático ministro das Finanças."
Poderá este volte-face deixar de ter consequências ao nível do moral da equipa governativa?
Mais uma vez, parece estarem em causa duas leituras da realidade política e social, mas na verdade trata-se do poder 'armado de factos' contra uma verdade simbólica que não pode ganhar no mesmo terreno.
A inconsistência dos reformadores só ajuda os novos bárbaros.
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Parque da Pena |
Esta ambiguidade moral é cada vez mais a nossa. É o apogeu da cultura individualista. Por que teríamos de escolher em função de um princípio exterior a nós mesmos? O alfa e o ómega do indivíduo está todo nesta liberdade de não ter obrigações em relação à sua 'persona'. Em vez de procurarmos a coerência com o que somos para os outros, denunciamos a artificialidade da máscara. Tornamos o passado sujeito da revolução...permanente.
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http://www.atriumviagens.com/wp-content/uploads/2013/10/ponte-de-lima.jpg |
Muito antes do 'pobrete mas alegrete', conotado com os tempos de Salazar, num certo imaginário português, o 'bom selvagem' rousseauista era assim servido pelos dois célebres farpantes.