quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A PELE DA SERPENTE

(Gustave Doré)


João Bénard da Costa, citando Agustina, dizia que na Eternidade se podia fazer tudo, menos o trivial.

Quando penso no último livro da trilogia de Dante, o "Paraíso", só posso concordar. Apenas tenho de acresentar que também não consigo imaginar que os planetas à volta do Sol façam algo de extraordinário. A concepção processional do Bem platónico que resulta da ideia de 'contemplação' não pode albergar surpresas, nem mudanças de ritmo. Nada de trivial, de facto, ali terá entrada. Mas o contrário disso, tampouco. A geometria está feita, ou 'revelada', e o espírito só tem de fazer uma translação sossegada, sem a sombra de um problema.

Para nós, modernos, esse estado paradisíaco não é em nada diferente da morte, depois de ultrapassada a crise que ela representa socialmente.

Bem alertava Alain para este carácter da poesia e das lendas populares que é verdadeiro para além da forma.

O carrossel celestial que tem no centro o espelho ofuscante do que somos, para além do 'registo civil', das idades e do nascimento e da morte parece inerte como a matéria nos parece à primeira vista.

Depois do Inferno e do Purgatório, os grandes pórticos desta peregrinação, a última parte é a da perfeita desmaterialização. Como quer a tradição da filosofia antiga, o corpo-prisão, depois de torturado e espremido é abandonado como a pele da serpente.


 

 

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