sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O POVO DE TOLSTOI

 

A condessa Tolstoi não compreendia a paixão do marido pelo povo. Ajudava-o na sua obra literária e recopiou sete vezes a "Guerra e Paz". Mas, tendo sido educada pela gente da nobreza, o povo russo não podia ser objecto de admiração e muito menos de culto. Causava-lhe até uma certa repugnância essa predilecção do marido. Suportava-a como suportava as suas arremetidas sexuais.

Não é nos seus mais célebres romances que esse culto é manifesto. A princesa Maria acolhe nas traseiras do palácio, às escondidas do pai, Nikolai Bolkonski, os peregrinos que cruzam o território, como gente do povo portadora de uma espécie de santidade, mas esse episódio não constitui mais do que um exemplo da piedade russa.

É na última fase da sua vida, que Tolstoi descobre o 'seu povo' e se torna doutrinário, chegando a ter uma grande influência internacional. Esse povo não é a totalidade dos habitantes da Rússia, nem o nosso 'povinho' (ou, às vezes, 'povão'), é a chamada 'alma russa', o depósito sagrado de uma espiritualidade 'sui generis' com vocação universal. Já o 'proletariado' marxista tem algo desse carácter sagrado.

E o povo da democracia, se não partilhasse desta genealogia, seria aparentado às 'massas', com o seu carácter ameaçador (Elias Canetti), ou à simples estatística.


 

 

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