segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O MOSCARDO

 

"Oïstros, o moscardo que atormenta os bois, é o poder mais evasivo, e no entanto omnipresente, entre aqueles que governaram os Gregos."

"Le nozze di Cadmo e Armonia" (Roberto Calasso)

Io, a ninfa amada por Zeus que este transformou numa vaca para a esconder da esposa ciumenta, correu mundo perseguida por um moscardo enviado por Hera. O frenezim associado à palavra 'oïstros' lembra o 'ferrão' do desejo a que o pai dos deuses era propenso. Punição homeopática, podia dizer-se, não do sedutor mas da seduzida (e poderia a pobre ninfa resistir a Zeus?). Mas, numa lógica muito enviesada, que é a do poder, é a ela que Hera castiga.

Sabemos como "uma mosca sem valor" tem o condão de nos irritar até "perdermos as estribeiras". É esse o "poder evasivo" da minúscula criatura. Io não pode ter sossego. Não pode pensar, nem pode dormir. Não desdenhemos de um tal poder....

Mas o autor diz que também esse poder governou os Gregos, o que é inteiramente justo. Basta afastar algumas das nossas mais queridas ilusões, para percebermos que somos 'governados' muito para além da política. Somos governados pelo sono, e de que maneira! Obedecemos sem discutir às mais humildes necessidades do corpo. A partir de uma certa altura na vida, o 'moscardo' não nos larga mais.

Ciro, o rei dos Persas, dizia que com a idade tinha perdido um 'senhor' implacável que não o deixava ser livre. Referia-se ao desejo sexual.

Abdicando de tudo parece que é a melhor maneira de não sermos 'governados'.

 

 

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