quarta-feira, 29 de outubro de 2014

OS MAIAS



Falemos do filme de João Botelho. Sem os desequilíbrios do seu recente trabalho sobre o "Livro do Desassossego", obra sobre a qual não é possível um consenso, talvez por não ser 'cinematizável', a obra-prima de Eça tem uma história e um manancial de diálogos que facilitam o trabalho do guionista. Sei que isso não chega e que a adaptação não pode ser um simples resumo, porque o cinema tem a sua própria linguagem. Aqui, o filme é inteiramente conseguido, com o tempo certo e a dramaturgia o mais eficaz possível. Não é pouco que tenha conseguido dar-nos uma ideia da riqueza das personagens secundárias do romance. Tenho um só reparo que são os cenários e um ponto ou outro de abandono do registo 'clássico' deveras irritantes. Quem tenha visto "A Inglesa e o Duque" com certeza que aderiu à recriação dos exteriores com gravuras da época. Não temos a impressão de um cenário, porque o seu 'classicismo' depressa se torna num ambiente 'histórico'. A tentativa de seguir o modelo de Rohmer falha quase completamente no filme de João Botelho porque os cenários parecem reproduzir, arbitrariamente, uma escola de pintura da época (no caso, o impressionismo) que destoa do estilo da filmagem de um modo quase agressivo. Até uma simples sebe ou um renque de árvores têm de passar por esta 'desfocagem' e, na verdade, por este anacronismo. Não se trata, como se vê por estes exemplos, de 'economia', mas de uma aposta, felizmente fracassada (graças à excelência dos actores) de 'distanciação' - excluo, claro, a homenagem a Rohmer.


Insisto nesta pecha de um trabalho, em quase tudo o resto, tão meritório que, como se costuma dizer, 'reconciliou o público com o nosso cinema'.




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