"A esperança da pensão possuía-os de corpo e alma. Ela chegar-lhes-ia um dia como a graça, a pensão, desde que tivessem a força de esperar um pouco antes de marar duma vez. Não se sabe o que é recuperar e esperar alguma coisa enquanto não se observou o que podem esperar e recuperar os pobres que esperam uma pensão."
"Voyage au bout de la nuit" (Louis-Ferdinand Céline)
No debate sobre o futuro da Segurança Social, todos farão alguma ideia do que deveria ser uma pensão digna. Não, evidentemente, a espécie de sorte grande, quando comparada com a miséria em que vegetavam os pobres de Céline, mas uma expectativa deduzida do que já foi alcançado entre nós e em outros países.
Mas que haja um problema com este sistema, a funcionar, "tant bien que mal", ao longo já de alguma décadas, é o que não parece evidente para todos.
O governo fez as suas contas e pretende que alguns pequenos cortes são necessários, invocando o factor demográfico e o realismo económico. E, prudentemente, usa de algum pessimismo (vamos continuar, por exemplo, na cauda da Europa) - pois não era assim, criando uma margem de segurança, que nós faríamos, se tivéssemos que projectar o nosso futuro?
Mas não digo que o governo escolheu o melhor caminho. É evidente que o governo não sabe qual é o futuro. Fez apenas uma projecção a 50 anos. Mas sei que quaisquer sacrifícios, qualquer que seja o caminho, encontrarão sempre uma forte oposição. Somos todos filhos, ou adoptados, da sociedade de consumo.
Entre os críticos há os que não reconhecem sequer a existência dum problema. A questão demográfica e a da possível falência do sistema parecem-lhes encenadas, como outros acham que o 11/9 foi encenado.
Pobre Descartes que assentava o seu cogito na evidência! A evidência já não é o que era neste mundo virtual e de manipulação da imagem.
Outros desvalorizam as consequências, apostando na cobertura do Estado, porque o Estado não pode falir! (o que se passou recentemente na Argentina não serviu de lição).
Entre os problematizantes da direita, temos uma solução que já alguém definiu como partir as pernas ao coxo para o pôr a rastejar.
O remédio da esquerda é, no fundo, anti-capitalista e, por isso, não passa duma declaração de princípios (sem qualquer efeito sem uma mudança de regime), acompanhada duma projecção voluntarista (não devemos continuar na cauda da Europa!) e de novos impostos, porque a distribuição é injusta e os sacrifícios pedem-se sempre aos mesmos.
Sendo assim, parece-me que não temos nada de válido a opor aos sacrifícios, a não ser os nossos sentimentos e a nossa rebeldia.
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