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Amboise |
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Umberto Eco |
Vemos em "Roma" de Fellini um desses acontecimentos. As obras do 'metro' têm de ser suspensas por causa de uma sala com frescos soterrada e cujas cores se deterioram rapidamente ao encontro do ar exterior. O tempo da história vem interferir no plano dos engenheiros.
desertrosepress.com
A história nunca decidiu nenhuma questão.
Desde os mitos de fundação, como os de Roma, à gesta dos heróis de cada nação tudo é instituição e crença, afirmação dos sobreviventes (normalmente, os mais fortes).
Nenhum inquérito a um passado longínquo conseguiu estabelecer a culpa dos herdeiros desse passado, nem isso seria justo.
A inquisição histórica é mesmo uma maneira de perpetuar os conflitos, como o dos Capuletos e Montéquios.
Por muito que custe àqueles que contestam a justiça de qualquer equidistância na questão do Médio Oriente, o primeiro passo para uma paz verdadeira é enterrar o passado e considerar todos culpados ou todos inocentes.
Há muito que essa guerra se tornou uma espécie de mecanismo mortífero, independente da vontade dos beligerantes, e que se alimenta a si mesmo.
É por isso que só uma força "surda" conseguirá impor a paz.
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Hannah Arendt |
"-'Não estou bem desenhado', pensou o rapaz de treze anos com séria concentração. 'A minha cabeça não tem regra, com a testa sobrepesando a minha boca e o queixo. Alguém devia ter usado um fio de prumo."
"The Agony and the Ecstasy" (Irving Stone)
A imperfeição é a melhor herança, porque traz consigo o desejo de nos ultrapassarmos. Assim esta novela biográfica dedicada a Miguel Ângelo começa da melhor maneira. Esse impulso estético não podendo resolver-se no próprio corpo 'sem regra' terá inspirado a perfeição da obra. Uma perfeição que atinge a sua maior altura quando se revela no tosco e no inacabado.
Que é essa cascata do 'Juízo Final' senão a estatuária grega destituída, sem o polimento e o orgulho da forma? A carranca do demiurgo anuncia um outro ideal de perfeição que pertence já à religião cristã. Os episódios de censura eclesiástica sobre esses nus gloriosos decorrem de uma leitura desfasada, que não vê o óbvio: o artista despede-se naqueles nus do antigo ideal, imola a sua própria natureza, a sua sexualidade na fogueira do corpo clássico e da perfeição exterior.
Se esta interpretação é legítima, podemos ver nesta encomenda papal e no seu futuro, espantosamente salvo do 'escândalo', mais uma das astúcias da Razão histórica, como diria FWG Hegel.
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Van Gogh |
É incrível como o céu ficou para nós reduzido à meteorologia, às nuvens cinzentas, tão apropriadas ao humor do tempo de trabalho, e ao azul Kodak das férias.
A noite são as luzes da cidade, sem o vagabundo a acordar com a inauguração da estátua que nos mostrou um poeta do cinema.
Só quem, fugindo à iluminação artificial, já procurou num descampado ou no cimo dum monte, o céu dos primeiros mapas, a epifania de estrelas que veio lá de cima alguma vez arrancar-nos da terra, é que sabe quanto é difícil e extraordinária uma noite transparente.
Eu nunca mais voltei a ver uma noite como a que vi, há uns anos, no Baleal.
Com tanta luz, se calhar, não teríamos qualquer acção, não poderíamos, por exemplo, fazer política, escrever ou pintar como Van Gogh.
A velinha da nossa vaidade, tão necessária para qualquer dessas actividades, não resistiria ao poderoso vento das estrelas.
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Jules Lagneau |
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Delacroix |
"Ela recebeu muito mal a noiva do irmão e gostava de a humilhar pondo-lhe ao lado, na mesa, talheres para uso desconhecido e pequenas facas de manteiga. Havia garfos de marfim para picles e colheres para compota com uma calha donde escorria a calda. Era preciso estar muito bem informado para saber usar aquilo tudo."
"Ordens Menores" (Agustina Bessa-Luís)
Mesmo se as maneiras à mesa do 'Rei Sol', no seu palácio de Versalhes, fossem hoje consideradas inaconselháveis em termos de higiene, podemos estar certos de que ele era o rei da etiqueta e não tinha a nada a aprender com as maneiras dos outros, uma vez que era ele que as ditava.
Não houve talvez, no mundo ocidental, desde Petrónio, um árbitro da elegâncias assim. Mas qualquer um dos seus súbditos podia rir-se à sua custa, como fez a cegonha da raposa na fábula de La Fontaine, se pudesse submeter a majestade a um protocolo desconhecido, ou pouco praticado, se o rei se deixasse cair nesse estratagema. Só uma criança o poderia fazer impunemente, como acontece na história do 'rei vai nu'. Mas em princípio, as crianças não são anfitriões de ninguém.
Diz-se que a verdadeira educação não consiste propriamente num saber, mas antes numa segunda natureza. Faz-se mesmo sem pensar, porque a consciência do que se faz neste domínio é sempre desgraciosa. Ora um monarca que quer impor novos hábitos na sua corte não os recebeu 'com o leite materno' e estará sujeito a hesitações e a faltas de memória. Daí que, para não perder a face, prefira passar por caprichoso a ser o primeiro a desvituar o protocolo.
Mas o objectivo de Luís XIV era pôr o rebanho da sua côrte ocupado em seguir a moda que ele ditava, em vez de fazer política 'frondeuse'. Criou assim um mundo teatral que corria o risco de se tornar ridículo aos olhos dos próprios títeres. O grande Luís foi o predecessor de Gorbatchov no século XVIII. Fez uma montra cristalina da classe ociosa.
As 'boas maneiras' (onde se incluem os novos hábitos da corte) quase sempre apressam a guilhotina...