quinta-feira, 23 de março de 2017

A PARÁBOLA MODERNA

(Franz Kafka)



"A tristitia, "a tristeza até à morte", presente nos escritos, nas cartas, nos diários e em observações registadas de Kafka parece infinita. Mas também há nele um sátiro da sociedade, um artífice do grotesco, um humorista com veia para a comédia inferior. Tem acesso ao humor sem expressão, às acrobacias de Buster Keaton. Ao ler perante um círculo de amigos aterrados o mais negro dos mitos modernos, A Metamorfose, Kafka dobrava-se de riso."

"Paixão intacta" (George Steiner)

Kafka, "traidor" ao nacionalismo checo e ao renascimento do hebraico, escreve em alemão.

"O vocabulário e a sintaxe de Kafka são extremamente sóbrios; como se todas as palavras alemãs e todos os recursos gramaticais tivessem sido arrancados a um prestamista impiedoso."(ibidem) É assim que forja as suas parábolas, marcadas pelo absurdo e pela culpa.

Se pensarmos na justificação de Cristo para as parábolas do Evangelho, teremos de procurar no homem moderno o equivalente desse entendimento fechado à linguagem de todos os dias tanto como à da ciência e da sabedoria mundanas.

Depois deste insigne antecedente, a parábola é virtualmente portadora de um sentido messiânico. Se a "opacidade dos tribunais" e a "lógica lunática da burocracia" que transparece nos romances inacabados de Kafka parecem reflectir, como num espelho que adivinha, a imagem dos regimes totalitários, "das nossas profissões, litígios, vistos e práticas fiscais", talvez que a originalidade e a precedência (que temos tendência a chamar de profética) de Kafka tenham alguma coisa a ver com isso.

As parábolas de Kafka já estavam à espera para dotar de sentido o nosso monstruoso. Se as adoptamos, é por falta de outras parábolas e, no fundo, por causa da sua eficácia, porque, como diz Steiner, Kafka é fiel a uma tradição duas vezes milenária.

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