quinta-feira, 16 de junho de 2005

SÍMBOLO E PARADOXO





O funeral de Álvaro Cunhal revelou que um homem pode sempre salvar um erro, mesmo monumental, desde que firmemente creia em si.

Todas as virtudes da vontade persistente e da fidelidade às ideias acabam por pesar mais do que a disponibilidade para aceitar a verdade dos outros e aquilo que hoje se chama de abrangência de ideias.

Os milhares que seguiram a urna até ao Alto de S. João ou que viram o imenso cortejo pela televisão não pensaram que a vida deste homem devia ser julgada pela queda do Muro de Berlim ou pelo fracasso da URSS, ou sequer pelos desaires eleitorais do partido a que dedicou a sua vida. Dir-se-ia que se tivessem sido sucessos em vez de fracassos, não poderíamos assistir a tão pujante e comovente cerimónia. Porque ali se projectava, na sua força alucinante, a verdade da fé, sobre um fundo movediço de sombras que é o do relativismo e do pragmatismo dos novos tempos, e toda a problemática do politicamente correcto.

Tudo isto transcende a política e é maior do que a vida, maior do que o próprio Álvaro Cunhal. E com ele morto, a sua lenda pode subir aos céus. E é a sua heróica resistência à ditadura que agora sobressai, em detrimento do segundo período da sua vida, o da luta pelo poder e do fracasso, fazendo que o homem que, segundo muitos, mais chegou a ameaçar a liberdade se tenha tornado num perene símbolo dela.

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