Hoje não se diz que um homem lê muito para significar
sabedoria. Diz-se que lê. Se tirarmos a oração matinal do filósofo de Iena, ou
a sebenta dos estudantes, a leitura é um esforço sem apoios de nenhuma espécie.
O jornal é um guia para a conversação depois do sono. Dá-nos o mundo em
títulos, uma história para contar, um programa para a noite ou para o fim-de-semana.
Enquanto que os livros de estudo são a iniciação às honras e aos privilégios
sempre que a situação do emprego é favorável. Os jovens aprendem na
universidade a fazer parte duma classe. Quanto ao uso que podem dar às milhares
de horas de estudo, é esquecer o conteúdo do que leram e actualizar a confiança
em si mesmos e a força de vontade. Que valor terá a memória escolar diante do
computador? Claro que a máquina não sabe o que diz e, sobretudo, não pode dar
vida a um pensamento. Nos livros, o espírito dorme como a bela do conto de
fadas. Mas não basta ler, nem decorar. É preciso admirar os autores imortais,
buscar com amor o segredo das palavras. Isso só é frutuoso na literatura e nas
humanidades. A matemática encerra a beleza mais nua. Mas as fórmulas são um
produto da indústria. São tanto minhas, como da máquina. Essa espécie de
conhecimento não perde em passar para um cérebro electrónico.
A nossa sociedade fez do verdadeiro leitor e do homem
de escrita o grego antigo, preceptor da juventude patrícia. A alma colectiva
veste como um escravo, embora se lhe confiem ainda, entre os jogos, os filhos
do conquistador. Mas um simulacro desse decaído preceptor espera já nos
laboratórios das grandes firmas.
Esta mutação é o que há de mais natural. Porque os que
liam para passar o tempo, ou para um fim utilitário, hoje, com menos esforço e
menor atenção, constituem a massa dos telespectadores. A lei da inércia e do
prazer explica este desprezo dos livros, que é também temor. É curioso pensar
que o homem civilizado venha um dia, tal como o primitivo de que fala
Mac-Luhan, a venerar a palavra prisioneira da biblioteca.
Mas a televisão é além de tudo o mais um relógio
social. Que milhões vejam no mesmo momento uma telenovela e oiçam no mesmo
instante a réplica dos actores, eis o que nem a Bíblia pôde fazer. Uma
instituição que acerta o tempo das pessoas e o seu pensamento. Não é pelo que
se vê e o que se ouve, mas por este mágico consenso que nos reúne debaixo da
lua.
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