quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

OS PADRINHOS DE SHAKESPEARE


Hamlet e a caveira

"Se "Hamlet" nos caísse do céu desamparado, sem o longo cortejo dos admiradores, os críticos troçariam dele, não sem uma aparência de razão. Não se encontraria, talvez, um homem de gosto que tomasse a obra pelo que ela é. Cada um formou para si uma ideia do belo, a partir dum grande número de objectos venerados. Mas, como essa ideia não pode de maneira alguma produzir uma obra nova, do mesmo modo não convém de maneira nenhuma a uma obra nova."

"Propos de Littérature" (Alain)


O que não quer dizer que não possa ser compreendida pelo seu tempo. Popper diz que essa ideia é um mito. E que, de qualquer maneira, a intenção de produzir uma tal obra é uma razão para o seu malogro.

A arte verdadeiramente original é também a menos "voluntária". E com isto quero dizer que a antiga ideia da influência das musas está mais próxima da verdade do que a do génio independente.

Por isso é bem certo que, pelo desfasamento dos tempos, a peça de Shakespeare cairia como uma pedra de roseta indecifrável, se não a pudéssemos referir ao período isabelino e não dispuséssemos do testemunho de tantos e ilustres "padrinhos" (na verdade, séculos dum verdadeiro culto), que nos dispensa de inventar uma nova teoria para ajuizar dela.

Não pomos em causa o génio de Shakespeare (embora, como nos lembra George Steiner, existam alguns juízos menos incondicionais) e, se não o compreendermos, a falta deve ser nossa. É a nós que compete fazer o esforço da tradução.

Por isso um prémio Nobel desarma hoje tão facilmente a crítica, antes mesmo da prova do tempo ter separado o trigo do joio.

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